(Do Conselho Estadual de Cultura)
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Foto acervo JZS/divulgação
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De espírito aberto à
vida. Expansiva, de palavra fácil e voz audível. Não era afeita ao silêncio das
meditações. A consciência, liberta de algemas convencionais, alma irrequieta,
cujo cálice da emoção transbordava, no entusiasmo das orações acadêmicas. O temperamento,
sujeito às oscilações do raciocínio rápido e conclusivo. Por vezes, o
irrequieto espírito, de que era possuidora, infringia formalidades.
Escritora memorialista,
elegeu o legado do genitor para enaltecê-lo e perpetuar-lhe a grandeza da
personalidade. Preocupava-a, também, a literatura feminina. Vários, os livros a
ela dedicados, louvando o seu valor, em nossa terra, incluindo o da
nacionalidade pátria. Em páginas saudosas, evocou antepassados.
Igualmente a todos os
interessados pelos assuntos da inteligência, visualizava o extraordinário da
vida, qual seja, ter curiosidade por seus segredos e mistérios, na tentativa de
decifrá-los, qual oráculo, sabendo que, na sua maioria, fossem indecifráveis,
no fértil campo da literatura clássica e folclórica, esta última, tecida pelos
costumes populares, como é do conhecimento geral.
O adeus de Anna Maria
Cascudo Barreto, deixou saudade. O seu combate, sempre aceso, e a ousada
perseverança em tudo que empreendia, fizeram-na uma vitoriosa da linha de
frente, provando, assim, que, sem a luta diária, o final triunfo pertencerá ao
fracasso dos inoperantes.
A investidura na classe
jurídica e a sua episódica ação no colunismo social, da nossa imprensa escrita
e falada, foi complementada pela posterior participação no meio cultural. Este,
o trinômio vivencial da sua laboriosa atuação em nossa sociedade. A sua fase
adulta foi preenchida pelo exercício da Promotoria de Justiça e, depois,
promovida à Procuradora, anteriormente à sua aposentadoria. Em seguida, a
passageira trajetória em jornais e rádios, e, por fim, alcançando o coroamento
simbólico já na “melhor idade”, conferido por três Academias: a de Letras, a
Feminina e a Jurídica, o Instituto Histórico e outras Instituições, entre as
quais, algumas como sócia correspondente.
Sabe-se que a doutrina
platônica, dividiu a alma em três partes distintas: Razão, Paixão e Desejo.
Ciente disto, Anna Maria
aplicou, em sua pessoa, tal distinção.
A parte destinada à
Razão, ela a usou no preparo da sua vida, aprimorando-a ética e
intelectualmente. No tocante à Paixão, ela o fez em relação à sua Família,
organizada em dois consórcios matrimoniais, instruindo-a e educando-a.
E, por fim, a parcela
concernente ao Desejo, ela escolheu o lazer cultural, coroamento de uma existência
entregue, dentro do possível, à realizações de caráter nobilitante. Desempenhou
bem o seu papel, na peça teatral do mundo em que vivemos. Na travessia do
oceano do tempo, ela o fez com equilíbrio possível, aprumando as velas brancas
da sua Caravela, contornando a oscilação dos ventos.
A perda do primeiro
marido, Newton, ainda na flor da juventude, não perturbou-lhe o entendimento
psicológico. Anos depois, veio-lhe o segundo golpe do destino, retirando-lhe o
segundo pai de seus filhos, Camilo. Inobstante, cobrir-lhe a fronte, o negro
véu da tristeza, consegue ela superar a medonha circunstância, equilibrando,
mais uma vez, com destemor, o comportamento vivencial.
De cerviz erguida,
prosseguiu na sua caminhada de anos, frequentando, assiduamente, as atividades
culturais, encontros sociais, cultos religiosos, os mais diversos e demais
programações.
Nada impediu a
perpetuidade do florescimento e da felicidade da sua vida!
O seu zelo na
perpetuação da memória do genitor, fez dela a idealizadora do LUDOVICUS –
Instituto “Câmara Cascudo”, cuja organização foi partilhada pela filha Daliana,
há longos anos, dirigente do Memorial “Câmara Cascudo”, da Fundação José
Augusto e especialista, das mais competentes, na área de Museus. Ela será a
legítima continuadora do grandioso e importante projeto cultural.
Luis da Câmara Cascudo fora,
em vida, uma espécie de “biblioteca ambulante”, dito secular atribuído a Rui
Barbosa, o conhecido “Águia de Haia”.
Disponível a todos que o
cercavam, e de modo especial à dileta filha, que, quando viúva, pela vez
primeira, ficou ao seu lado, e nos iniciais anos do segundo casamento.
Habitava, Anna, a
atmosfera de uma verdadeira sala de aula e tertúlias intelectuais, cujo docente
era mestre consumado em humanismo. Recebia, por osmose, por assim dizer,
ensinamentos advindos do permanente contato, irradiados de múltipla erudição.
Por aqueles dias, Câmara
Cascudo já era considerado uma das referências intelectuais brasileiras. A
exemplo de museus internacionais, exibidores de máscaras funerárias de vultos
mundiais, a dele faz parte do acervo, rico acervo, do nosso Instituto
Histórico. Quando da minha passagem pela presidência do Instituto, tive o grato
ensejo de prestar-lhe tributo de justiça, homenageando-o, dando seu nome, ao
Salão Nobre daquela instituição, em placa fixada, à posteridade.
Homenagem merecida a
quem, inteligentemente, denominou aquela entidade histórica de “Casa da
Memória”, tendo sido, por longo tempo, o seu orador oficial.
Anna Maria foi, em vida,
uma cidadã genuinamente urbana. Sua permanência existencial ela passou na
“Cidade do Sol”, a explendorosa Natal! Daí, o seu fácil triunfo, na órbita do
bacharelismo jurídico e da cultura em geral.
Possuidor de lógica, o
pensar do historiador Hendrik Van
Loon, quando afirma que “o ar da cidade respira a liberdade”, figurando
como dito popular da Idade Média. Diz ele que a cidade propicia as artes, as ciências, a escrita, a literatura,
teatro, biblioteca, etc., enquanto a região agrícola limita o aprendizado, por
falta de espaço cultural.
Em síntese, o ambiente é
formador de individualidades cultas. O cidadão urbano tem os recursos da
modernidade evolutiva, onde pode desencadear, melhormente, a energia
intelectual.
Anna Maria, além de se
utilizar dessa atmosfera favorável, adicionou a isso a convivência do pai
genial, sendo, nesse aspecto uma escritora
privilegiada.
A ambiência é a
definidora do destino humano na esfera do desenvolvimento civilizatório. O
Santo Evangelho fala na “semente lançada em terra boa”. A planta tem seus
tropismos, a água lava as suas raízes e as folhagens iluminadas pelo sol. Germinada
em terra fértil, a planta dá bons frutos.
A personalidade da nossa
homenageada, foi, também, semeada em ambiente espiritualmente sadio, preparado
pelo coração amorável da sua mãe, D. Dáhlia.
Anna Maria Cascudo
Barreto teve, com a graça celeste, existência utilíssima, tornando realidade os
sonhos acalentados na mocidade. Esposa por duas vezes, genitora de filhos
inteligentes e educados: Daliana, Newton e Camila. Deixa um legado rico de
ternura e amor. Mãe de méritos múltiplos!
Já foi anunciado que os
Sinos da Igreja, ao repicarem, têm o poder de acordar os mortos. O mesmo se dá
à publicação dos imortais escritores falecidos. A leitura de suas obras os
tornam redivivos, despertando-os do sono profundo.
Assim, reviverá o
espírito de Anna Maria, toda vez que for lida uma página do livro Saudade.
*Com post
no Jornal Zona Sul.