Não houve greve: foi tudo ilusão de ótica,
viu?
“A greve, no
fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos.” Entendo que a frase de Martin
Luther King configura à perfeição o grande movimento ocorrido ontem no Brasil.
Foi ruidoso
e muitas vezes envolto em confrontos. Mas mobilizou, segundo o jornal popular
online Brasil de Fato, 40 milhões de brasileiros.
A edição
brasileira online do El País disse a respeito do protesto: “A manhã despontou
no coração de São Paulo e os transeuntes que se via eram basicamente os
moradores de rua que ali passam seus dias. Lojas fechadas, pouquíssimo trânsito
e entradas de metrô completamente desertas.
“A imagem se
repetiu durante horas nesta sexta-feira nas principais cidades brasileiras. Foi
uma demonstração de força do movimento sindical que convocou uma greve geral
contra as reformas trabalhista e previdenciária do Governo Michel Temer e
conseguiu paralisar a rotina nas capitais graças, principalmente, à crucial
adesão do setor de transportes.
“A única
exceção foi o Rio de Janeiro, onde o metrô não parou e os ônibus circularam
parcialmente. ”
O jornal
afirmou ainda: “Paralisação esvaziou centros das capitais, à exceção do Rio, e
foi o maior protesto sindical em 21 anos.”
Como se
percebe, foi, ao contrário da cobertura do jornalismo nacional, um registro
recheado de credibilidade.
O jornalismo
indígena não destacou o apoio da Igreja Católica, muito menos o respaldo dos protestantes.
Houve frades que foram às ruas, entidades protestantes divulgaram nota
favorável ao movimento.
Mas nenhum
representante religioso foi ouvido. Apenas dizia-se que o “governo” está
analisando a greve e a parir daí vai tomar providências junto à tal base aliada
para buscar fortalecer-se perante as
repercussões da greve – coisas do tipo eram ouvidas o tempo todo ao longo da
programação.
Apesar da
grande mobilização o jornalismo alinhado ao governo minimizou a greve geral. Em
cobertura ao vivo as TVs mostravam aspectos limitados: confusões, bate-bocas,
incêndios de ônibus. O chamado presidente Temer disse a mesma coisa: houve
apenas momentos de desordem.
Evitou-se
convenientemente entrevistar representantes sindicais, mas a todo instante
citava-se o governo e seus representantes com opiniões a respeito da greve.
Não se levou
em conta que havia em essência um conflito ideológico, uma não aceitação
política a decisões injustas que deverão tornar extremamente agravada a já
difícil situação de sobrevivência do povo.
De alguma
forma a cobertura das TVs reafirmava como válidas as palavras de Luther King: a
greve como linguagem dos que não são ouvidos. Mas as TVs, exatamente, não
queriam ouvir essa linguagem. Não
ouviram o grito das ruas.
Os jornalistas
da Globo e quejandos admitiam tacitamente em sua cobertura: mesmo com o
protesto invadindo ruas e avenidas eles iriam impor um grande silêncio social.
Ou isso ou
pelo menos as coisas somente aconteciam do jeito que eles queriam que
acontecessem midiaticamente, ou seja: as multidões não reagiam em repulsa a uma
lei injusta; havia apenas arruaça generalizada e pronto.
O que se
quis silenciar foi a essência do movimento atribuindo ressalto unicamente a
seus aspectos mais agressivos. Questionáveis, claro, mas não definidores da
finalidade da greve, muito menos explicitadores de suas causas.
A ação dos
trabalhadores era apontada nas TVs, em todas as TVs, como fuzuê, trabalho de
desordeiros, ação de “desocupados que queriam impedir as pessoas de chegar ao
serviço”.
Esse
discurso perpassou todas as coberturas. Todavia, em notícias a respeito de
protestos na Venezuela mostravam-se cenas idênticas – atos de violência popular
– como movimentos coletivos necessários
à expulsão de Nicolás Maduro do poder. Muitos pesos muitas medidas.
Vale lembrar
que nos convescotes dominicais patrocinados pela Fiesp a cobertura era total:
mostravam-se ruas cheias, pessoas brancas e socialmente bem postadas sorrindo e
dizendo suas palavras de ordem. Era um protesto chic. Feito aos domingos, um
passeio no parque. Afinal, era preciso depor Dilma.
Agora,
quando os trabalhadores chegam à praça e bradam são desocupados, vagabundos. Há
uma perceptível alteração de discurso: seja no pronunciamento verbalizado seja
no enunciado videográfico.
E,
transformando o ato grevista num espetáculo grotesco a ação coletiva passa a
ser na TV algo que ofende a família pois foi apresentado midiaticamente como
atitude de desatinados.
A greve
impediu o pai de chegar ao emprego, o menino deixou de ir à escola, a mãe
também não foi trabalhar? Então, a greve não presta.
Assim, esse
real manipulado parece conferir veracidade ao que está sendo apresentado.
Afinal, está sendo apresentado. E o que foi tornado visível torna-se verdadeiro
por efeito da manipulação.
É difícil o
caminho do trabalhador brasileiro. Os grupos hegemônicos estão na iminência de
uma tomada de poder como jamais foi vista: a docilização completa das pessoas,
sua subordinação ao custo de miserável soldo.
E tais
grupos não querem perder essa oportunidade. E no fim ainda vão dizer ao
trabalhador: “Está ganhando mal? Devia ter estudado.”
Só que eles
também lutam para acabar com o ensino...
Imagem relacionada à publicação/
Ricardo Stuckert