Por Elio Gaspari, O Globo
Não deu outra: o governo produziu um surto grevista
no serviço público federal. Estão paradas, há dois meses, 56 universidades
federais, e há funcionários em greve em pelo menos 15 repartições de 26
estados.
Chegou-se a essa situação porque a doutora Dilma e seus
comissários acharam que podiam enfrentar as reivindicações com onipotência e
embromatina.
O surto começou em junho com a greve dos professores
de universidades federais. Era uma paralisação parcial, e o governo disse que o
problema deveria ser negociado no Ministério do Planejamento, onde a comissária
Miriam Belchior informava que não trataria com grevistas.
Era o Modelo Scania. Em 1978 ele produziu um surto
grevista no ABC de São Paulo e dele emergiu um sujeito chamado Lula.
Ao escolher esse caminho, a doutora Dilma cometeu
uma imprudência semelhante à do industrial que, diante de uma greve, manda o
assunto para uma discussão entre o sindicato e a diretoria financeira da
empresa. De lá, só sai uma resposta: não há dinheiro.
A onipotência ruiu numa sexta 13, quando a
comissária Belchior apresentou uma proposta aos grevistas. Em quase todos os
casos, além de aumentos salariais, os servidores querem planos de carreira
prometidos e jamais apresentados.
O comissariado do Planalto quer a coisa (acabar com
a greve) e seu contrário (preservar a incolumidade política dos ministros cujas
áreas são afetadas pelo movimento).
Aí entra a embromatina. O ministro da Educação
sumiu. O da Saúde emudeceu, com servidores da Anvisa parados e com a Funasa
parcialmente paralisada. O do Trabalho não se sabe onde está. O comissário dos
movimentos sociais, Gilberto Carvalho, passou por perto, afastou-se e
reapareceu, falando em “equacionar as contas”, sem que se saiba o que isso quer
dizer.
Com as greves espalhadas pelas agências reguladoras,
pelo Incra, pelo IBGE e em pelo menos seis ministérios, somando algo entre 150
mil servidores, segundo o governo, e 500 mil, segundo os grevistas, o Planalto
soltou o espantalho da crise econômica refletida no pibinho.
É um truque velho. Generaliza o problema com o
propósito de não discutir a pauta específica.
A crise europeia nada teve a ver com o engavetamento
dos planos de carreira dos professores universitários brasileiros. Se um
servidor do Judiciário está sem aumento há três anos ou espera pelo plano de
carreira há outros tantos, essa argumentação chega a ser desrespeitosa. Ele
pode até discordar da extensão das reivindicações do sindicato, mas não quer
ser tratado como bobo.
Foi Miriam Belchior quem travou as negociações?
Mercadante ficou longe? Padilha se manteve calado? Tudo isso é verdade, mas só
aconteceu porque a gerentona Dilma Rousseff desenhou uma estratégia cataléptica
que estimulou as greves e acrescentou um desnecessário elemento de tensão.
Dificilmente Lula tomaria esse caminho, parecido com
o dos generais ou com a severidade de Fernando Henrique Cardoso na greve dos
petroleiros de 1995.
Na última opção preferencial pela embromatina, o
Planalto ameaça cortar os salários dos grevistas. Nem Ronald Reagan, o
exterminador de sindicatos, seria capaz de deixar 55 mil professores sem dois
meses de salários. Se a ameaça fosse séria, teria eficácia em junho.
É uma parolagem sempre repetida, jamais cumprida.
Exatamente por isso, as greves no serviço público são duradouras e no setor
privado são breves.