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domingo, 30 de agosto de 2015

O adeus e a saudade a Ana Maria Cascudo

Jurandyr Navarro*
(Do Conselho Estadual de Cultura)

Foto acervo JZS/divulgação
De espírito aberto à vida. Expansiva, de palavra fácil e voz audível. Não era afeita ao silêncio das meditações. A consciência, liberta de algemas convencionais, alma irrequieta, cujo cálice da emoção transbordava, no entusiasmo das orações acadêmicas. O temperamento, sujeito às oscilações do raciocínio rápido e conclusivo. Por vezes, o irrequieto espírito, de que era possuidora, infringia formalidades.

Escritora memorialista, elegeu o legado do genitor para enaltecê-lo e perpetuar-lhe a grandeza da personalidade. Preocupava-a, também, a literatura feminina. Vários, os livros a ela dedicados, louvando o seu valor, em nossa terra, incluindo o da nacionalidade pátria. Em páginas saudosas, evocou antepassados.
Igualmente a todos os interessados pelos assuntos da inteligência, visualizava o extraordinário da vida, qual seja, ter curiosidade por seus segredos e mistérios, na tentativa de decifrá-los, qual oráculo, sabendo que, na sua maioria, fossem indecifráveis, no fértil campo da literatura clássica e folclórica, esta última, tecida pelos costumes populares, como é do conhecimento geral.

O adeus de Anna Maria Cascudo Barreto, deixou saudade. O seu combate, sempre aceso, e a ousada perseverança em tudo que empreendia, fizeram-na uma vitoriosa da linha de frente, provando, assim, que, sem a luta diária, o final triunfo pertencerá ao fracasso dos inoperantes.

A investidura na classe jurídica e a sua episódica ação no colunismo social, da nossa imprensa escrita e falada, foi complementada pela posterior participação no meio cultural. Este, o trinômio vivencial da sua laboriosa atuação em nossa sociedade. A sua fase adulta foi preenchida pelo exercício da Promotoria de Justiça e, depois, promovida à Procuradora, anteriormente à sua aposentadoria. Em seguida, a passageira trajetória em jornais e rádios, e, por fim, alcançando o coroamento simbólico já na “melhor idade”, conferido por três Academias: a de Letras, a Feminina e a Jurídica, o Instituto Histórico e outras Instituições, entre as quais, algumas como sócia correspondente.

Sabe-se que a doutrina platônica, dividiu a alma em três partes distintas:  Razão, Paixão e Desejo.
Ciente disto, Anna Maria aplicou, em sua pessoa, tal distinção.
A parte destinada à Razão, ela a usou no preparo da sua vida, aprimorando-a ética e intelectualmente. No tocante à Paixão, ela o fez em relação à sua Família, organizada em dois consórcios matrimoniais, instruindo-a e educando-a.

E, por fim, a parcela concernente ao Desejo, ela escolheu o lazer cultural, coroamento de uma existência entregue, dentro do possível, à realizações de caráter nobilitante. Desempenhou bem o seu papel, na peça teatral do mundo em que vivemos. Na travessia do oceano do tempo, ela o fez com equilíbrio possível, aprumando as velas brancas da sua Caravela, contornando a oscilação dos ventos.

A perda do primeiro marido, Newton, ainda na flor da juventude, não perturbou-lhe o entendimento psicológico. Anos depois, veio-lhe o segundo golpe do destino, retirando-lhe o segundo pai de seus filhos, Camilo. Inobstante, cobrir-lhe a fronte, o negro véu da tristeza, consegue ela superar a medonha circunstância, equilibrando, mais uma vez, com destemor, o comportamento vivencial.

De cerviz erguida, prosseguiu na sua caminhada de anos, frequentando, assiduamente, as atividades culturais, encontros sociais, cultos religiosos, os mais diversos e demais programações.
Nada impediu a perpetuidade do florescimento e da felicidade da sua vida!

O seu zelo na perpetuação da memória do genitor, fez dela a idealizadora do LUDOVICUS – Instituto “Câmara Cascudo”, cuja organização foi partilhada pela filha Daliana, há longos anos, dirigente do Memorial “Câmara Cascudo”, da Fundação José Augusto e especialista, das mais competentes, na área de Museus. Ela será a legítima continuadora do grandioso e importante projeto cultural.

Luis da Câmara Cascudo fora, em vida, uma espécie de “biblioteca ambulante”, dito secular atribuído a Rui Barbosa, o conhecido “Águia de Haia”.

Disponível a todos que o cercavam, e de modo especial à dileta filha, que, quando viúva, pela vez primeira, ficou ao seu lado, e nos iniciais anos do segundo casamento.

Habitava, Anna, a atmosfera de uma verdadeira sala de aula e tertúlias intelectuais, cujo docente era mestre consumado em humanismo. Recebia, por osmose, por assim dizer, ensinamentos advindos do permanente contato, irradiados de múltipla erudição.

Por aqueles dias, Câmara Cascudo já era considerado uma das referências intelectuais brasileiras. A exemplo de museus internacionais, exibidores de máscaras funerárias de vultos mundiais, a dele faz parte do acervo, rico acervo, do nosso Instituto Histórico. Quando da minha passagem pela presidência do Instituto, tive o grato ensejo de prestar-lhe tributo de justiça, homenageando-o, dando seu nome, ao Salão Nobre daquela instituição, em placa fixada, à posteridade.

Homenagem merecida a quem, inteligentemente, denominou aquela entidade histórica de “Casa da Memória”, tendo sido, por longo tempo, o seu orador oficial.

Anna Maria foi, em vida, uma cidadã genuinamente urbana. Sua permanência existencial ela passou na “Cidade do Sol”, a explendorosa Natal! Daí, o seu fácil triunfo, na órbita do bacharelismo jurídico e da cultura em geral.

Possuidor de lógica, o pensar do historiador  Hendrik  Van  Loon, quando afirma que “o ar da cidade respira a liberdade”, figurando como dito popular da Idade Média. Diz ele que a cidade propicia as  artes, as ciências, a escrita, a literatura, teatro, biblioteca, etc., enquanto a região agrícola limita o aprendizado, por falta de espaço cultural.

Em síntese, o ambiente é formador de individualidades cultas. O cidadão urbano tem os recursos da modernidade evolutiva, onde pode desencadear, melhormente, a energia intelectual.

Anna Maria, além de se utilizar dessa atmosfera favorável, adicionou a isso a convivência do pai genial, sendo, nesse aspecto uma escritora  privilegiada.

A ambiência é a definidora do destino humano na esfera do desenvolvimento civilizatório. O Santo Evangelho fala na “semente lançada em terra boa”. A planta tem seus tropismos, a água lava as suas raízes e as folhagens iluminadas pelo sol. Germinada em terra fértil, a planta dá bons frutos.

A personalidade da nossa homenageada, foi, também, semeada em ambiente espiritualmente sadio, preparado pelo coração amorável da sua mãe, D. Dáhlia.

Anna Maria Cascudo Barreto teve, com a graça celeste, existência utilíssima, tornando realidade os sonhos acalentados na mocidade. Esposa por duas vezes, genitora de filhos inteligentes e educados: Daliana, Newton e Camila. Deixa um legado rico de ternura e amor. Mãe de méritos múltiplos!

Já foi anunciado que os Sinos da Igreja, ao repicarem, têm o poder de acordar os mortos. O mesmo se dá à publicação dos imortais escritores falecidos. A leitura de suas obras os tornam redivivos, despertando-os do sono profundo.

Assim, reviverá o espírito de Anna Maria, toda vez que for lida uma página do livro Saudade.

*Com post no Jornal Zona Sul.
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