Por Wilson Galvão –
AGIR/UFRN
Um
grupo de cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) criou
um novo tipo de produto, pensado para ser utilizado sobretudo na indústria do
petróleo e da construção civil. O material é um cortador de melhor desempenho
para ser usado na perfuração de minerais e rochas e em operação de usinagem de
metais e ligas não ferrosas. A ferramenta teve o patenteamento concedido pelo
Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) no ano passado, dia 14 de
dezembro.
A
invenção é formada por três camadas, uma de corpo de diamante sinterizado, um
substrato de carbeto cementado e uma interface de carbeto cementado, com
composição ligeiramente diferente. Essa interface é um dos diferenciais, talvez
o principal, para potencializar a eficiência do novo produto. “A vantagem da
presente invenção é a utilização dessa interface com composição próxima ao
substrato e, com o mesmo ligante do corpo de diamante sinterizado, acaba-se por
melhorar a aderência de ambos. A fraca aderência da camada de diamante à superfície
do substrato reduz a vida útil da ferramenta, situação que nós conseguimos
contornar”, explica Meysam Mashhadikarimi.
Atualmente
professor do Departamento de Engenharia de Materiais, o iraniano Meysam era
aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de
Materiais (PPGCEM) em 2016 e foi responsável pelo processo de fabricação e
caracterização do material patenteado. Ele frisa que a adição de uma camada de
interface entre o substrato e a camada de diamante evita a infiltração de
cobalto na camada de diamante. Um material formado do modo tradicional pode
estar sujeito a uma série de deficiências, surgidas, por exemplo, das
temperaturas, que fazem ocorrer a expansão dos componentes e influenciam também
as constantes elásticas.
“Essa
infiltração é responsável por um problema chamado grafitização de diamante na
fabricação de aplicação de ferramentas diamantadas. Driblar essa situação é que
nos concede a possibilidade de aumentar a vida útil de ferramentas”, realça. A
grafitização é o momento no qual o diamante, material com características de
alta dureza, transforma-se em grafite, com característica oposta.
A
invenção recebeu a denominação Compósito de corte de tripla camada formado por
um substrato de carbeto cementado e corpo de diamante sinterizado, unidos
através de uma interface e seu método de produção e contou com a participação
também dos docentes Uilame Umbelino Gomes e Marcello Filgueira, orientadores do
projeto de pesquisa e responsáveis por planejar e analisar os resultados. Além
da UFRN, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
também detém direitos sobre a invenção, em uma cooperação que envolveu os
laboratórios de Materiais Cerâmicos e Metais Especiais (LMCME) da UFRN e o de
Materiais Avançados (LAMAV) da UENF, bem como os grupos de pesquisa de
Materiais e Tecnologia do Pó e o Research Group on Advanced Diamond Cutting
Tools and Powder Metallurgy, ambos da UFRN, e o Grupo de Estudos em Materiais
Avançados (GEMa) da UENF.
Os
pesquisadores pontuam que a ferramenta pode ser fabricada na forma de inserts
(brocas) ou cutters (cortadores), utilizados para usinar metais não ferrosos,
pedras rochas e perfuração de poços de petróleo. A usinagem, no caso, é o
processo de desgaste mecânico que visa a dar forma a uma peça. O fresamento e a
furação são exemplos de processos de usinagem. “Já fizemos protótipos do
material, com testes em diversos ensaios, sob diversas condições. Realizar o
patenteamento da invenção é importante, pois mostra que os valores aplicados em
ciência e tecnologia são investimentos, haja vista o realce da contribuição da
pesquisa para a sociedade”, finaliza Uilame Umbelino Gomes.
Do
Irã ao Brasil: “precisava de novos desafios”
Localizado
na Ásia, o Irã é um país que desperta curiosidade no Brasil; afinal, ao
contrário da história dos Estados Unidos ou da Europa, nos conteúdos abordados
costumeiramente nas escolas, não há aprofundamento, às vezes sequer contato com
informações sobre o país. Saber que o Irã é “rodeado” pelo Paquistão,
Afeganistão, Turcomenistão, Iraque, Turquia e Azerbaijão, que integrou o
Império Persa e é um país muçulmano, com forte alicerce econômico no Petróleo,
está fora do raio de conhecimento da maioria.
E
o que dizer da educação do país? Meysam falou um pouco sobre o sistema
educacional do Irã e sobre as dúvidas e certezas acerca da mudança para o
Brasil, distante e comumente desconhecido pelos iranianos. Em seu depoimento,
escrito após a equipe da Agência de Inovação ter ido ao laboratório
entrevistá-lo, ele contou um pouco da experiência.
“Nasci
na cidade de Teerã, capital do Irã, filho de Mohammad Mashhadikarimi e
Pourandokht Banimostafa, ambos com 68 anos. Tenho um irmão mais velho, Mahdi, e
duas irmãs mais novas, Masoume e Maryam. Sou casado com Bita Haj Nabi e tenho
uma filha brasileira de três anos, Amitis. Toda a minha educação básica foi
feita em escolas públicas. Inicialmente, em 1990, aos sete anos de idade,
comecei minha primeira parte do ensino básico na escola Eslamie, na cidade de
Parchin, província de Teerã, onde meus pais trabalhavam.
A
educação no Irã inclui cinco anos na primeira parte do ensino básico, três anos
na segunda parte do ensino básico e quatro anos no estudo médio. No segundo ano
do ensino médio, os alunos escolhem sua área de estudo entre as quatro áreas
disponíveis: Ciência Matemática e Física, Ciências Humanas, Ciências
Experimentais e Escolas Técnicas. No entanto, o sistema de educação mudou e
agora incluiu seis anos de ensino básico e seis anos de ensino médio, e os alunos
escolhem sua área no quarto ano do ensino médio.
Iniciei
o meu ensino médio na escola Hassan Asgari e, no ano seguinte, escolhi a área
de Ciência Matemática e Física para poder continuar meus estudos em Engenharia
na universidade. A princípio, comecei a conhecer a Engenharia de Materiais e
Metalurgia através de meu tio, professor Banimostafa, que é professor de
Engenharia Mecânica há 25 anos. Ele me incentivou a prestar o vestibular para
Engenharia.
Assim
fiz. O vestibular das universidades no Irã é unificado para todos os estudantes
do país que estudaram na mesma área de estudo durante o ensino médio. Após o
vestibular, os participantes podem escolher a sua área de estudo na
universidade de acordo com os seus resultados e classificação. Consegui ser
aprovado e escolhi Engenharia de Materiais e Metalurgia na Universidade Semnan,
localizada a 300 quilômetros da capital. Comecei meu curso de Metalurgia
Industrial em 2001 e me formei após quatro anos. Para estudantes de Engenharia
no Irã, há dois cursos especiais de graduação: a formação industrial e o
projeto final, similares ao estágio e TCC. Fiz a minha formação industrial no
Khavar Spring Co, um ramo da Mercedes Benz no Irã que produz mola de lâmina e espiral
para automóveis, no qual apliquei o meu conhecimento teórico em Metalurgia,
especialmente na área de Tratamento Térmico, e que representou uma etapa de
grande importância para a minha formação profissional. No último ano da minha
graduação, participei das seleções para o curso de mestrado em Ciência e
Engenharia de Materiais. Assim como na graduação, no Irã, a seleção do
vestibular para a pós-graduação é para todos os estudantes que querem se
especializar em uma área.
Com
a minha classificação, escolhi estudar Identificação e Seleção de Materiais
Metálicos na Universidade de Ciência e Tecnologia do Irã, instituição
localizada na capital e uma das universidades tecnológicas mais antigas (desde
1929) no Irã. Isso era 2005. Depois do meu mestrado, saí da atividade acadêmica
e continuei o meu trabalho na indústria, ramo no qual sempre almejei estar.
Nessa época, meu interesse era a aplicação de meu conhecimento metalúrgico em
projetos industriais reais. Gostei muito dos cinco anos de trabalho em indústrias
diferentes, mas depois senti algo faltando em minha vida. Precisava de novos
desafios e buscava mudanças, porque estava sem nada de novo a descobrir. Tive
duas opções: mudar o meu trabalho e começar um novo ou iniciar o doutorado;
neste caso, escolhi a segunda. É aqui que a minha história encontra a da UFRN.
Depois
de uma longa conversa com a minha esposa, decidimos ir ao exterior para
continuar o estudo. Comecei a entrar em contato com professores de
universidades em todo o mundo no início de 2013. Austrália, Áustria, Inglaterra
e Brasil eram as possibilidades. Através do envio de uma proposta de pesquisa
completa na área de Metalurgia do Pó e também dos meus documentos e currículo
Lattes, fui selecionado para o doutorado no Programa de Pós-Graduação em
Ciência e Engenharia de Materiais (PPGCEM) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Era o primeiro aluno internacional do programa.
Ser
aceito no PPGCEM foi muito importante. Escolhi estudar no Brasil, pois sabia
que o Programa está entre os melhores programas de pós-graduação no Brasil.
Durante as conversas com o professor orientador para apresentar e submeter a
proposta, percebi que a equipe e a infraestrutura do grupo de pesquisa eram o
que eu precisava para mudar a minha vida. Conversas amigáveis, receptividade e
as informações fornecidas pelo professor Umbelino, meu orientador, foram outra
razão para a minha decisão final.
Nesse
contexto, cheguei em Natal por volta de meia-noite do dia 4 de outubro de 2013,
depois de uma viagem de 32 horas. Então uma nova vida, em um novo país com
cultura diferente, parecia difícil. Impressão errada: foi mais fácil do que
pensava. Com a receptividade dos meus novos amigos, dos professores da
universidade e de pessoas brasileiras amáveis, consegui me adaptar ao novo país
muito rápido. Comecei a aprender a língua portuguesa como a minha terceira
língua, e isso foi o aspecto mais complicado da minha vida no Brasil, mas eu
consegui e agora posso me comunicar com as pessoas de um modo geral.
Fui
aprovado no doutorado em todas as disciplinas com conceitos A ou B,
considerando que todas foram, exceto uma, cursadas em português. Depois de
fazer alguns testes na UFRN e preparar dados suficientes, em novembro de 2015,
fui para a UENF com a finalidade de concluir o meu projeto com outros
equipamentos disponíveis na instituição. Foi uma grande experiência que tive
com o professor Marcello Filgueira, cuja pesquisa nos trouxe resultados muito
bons, entre os quais a concessão de duas patentes”.
Assessoria
de Comunicação da Agência de Inovação da Reitoria da UFRN
Foto:
Arthur de Souza
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