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domingo, 30 de abril de 2017

Coisas de jornal: Não houve greve; foi tudo ilusão de ótica, viu?

Não houve greve: foi tudo ilusão de ótica, viu?


“A greve, no fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos.” Entendo que a frase de Martin Luther King configura à perfeição o grande movimento ocorrido ontem no Brasil.
Foi ruidoso e muitas vezes envolto em confrontos. Mas mobilizou, segundo o jornal popular online Brasil de Fato, 40 milhões de brasileiros.

A edição brasileira online do El País disse a respeito do protesto: “A manhã despontou no coração de São Paulo e os transeuntes que se via eram basicamente os moradores de rua que ali passam seus dias. Lojas fechadas, pouquíssimo trânsito e entradas de metrô completamente desertas.

“A imagem se repetiu durante horas nesta sexta-feira nas principais cidades brasileiras. Foi uma demonstração de força do movimento sindical que convocou uma greve geral contra as reformas trabalhista e previdenciária do Governo Michel Temer e conseguiu paralisar a rotina nas capitais graças, principalmente, à crucial adesão do setor de transportes.
“A única exceção foi o Rio de Janeiro, onde o metrô não parou e os ônibus circularam parcialmente. ”

O jornal afirmou ainda: “Paralisação esvaziou centros das capitais, à exceção do Rio, e foi o maior protesto sindical em 21 anos.”
Como se percebe, foi, ao contrário da cobertura do jornalismo nacional, um registro recheado de credibilidade.

O jornalismo indígena não destacou o apoio da Igreja Católica, muito menos o respaldo dos protestantes. Houve frades que foram às ruas, entidades protestantes divulgaram nota favorável ao movimento.

Mas nenhum representante religioso foi ouvido. Apenas dizia-se que o “governo” está analisando a greve e a parir daí vai tomar providências junto à tal base aliada para buscar fortalecer-se  perante as repercussões da greve – coisas do tipo eram ouvidas o tempo todo ao longo da programação.

Apesar da grande mobilização o jornalismo alinhado ao governo minimizou a greve geral. Em cobertura ao vivo as TVs mostravam aspectos limitados: confusões, bate-bocas, incêndios de ônibus. O chamado presidente Temer disse a mesma coisa: houve apenas momentos de desordem.

Evitou-se convenientemente entrevistar representantes sindicais, mas a todo instante citava-se o governo e seus representantes com opiniões a respeito da greve.
Não se levou em conta que havia em essência um conflito ideológico, uma não aceitação política a decisões injustas que deverão tornar extremamente agravada a já difícil situação de sobrevivência do povo.

De alguma forma a cobertura das TVs reafirmava como válidas as palavras de Luther King: a greve como linguagem dos que não são ouvidos. Mas as TVs, exatamente, não queriam ouvir essa linguagem.  Não ouviram o grito das ruas.

Os jornalistas da Globo e quejandos admitiam tacitamente em sua cobertura: mesmo com o protesto invadindo ruas e avenidas eles iriam impor um grande silêncio social.

Ou isso ou pelo menos as coisas somente aconteciam do jeito que eles queriam que acontecessem midiaticamente, ou seja: as multidões não reagiam em repulsa a uma lei injusta; havia apenas arruaça generalizada e pronto.

O que se quis silenciar foi a essência do movimento atribuindo ressalto unicamente a seus aspectos mais agressivos. Questionáveis, claro, mas não definidores da finalidade da greve, muito menos explicitadores de suas causas.

A ação dos trabalhadores era apontada nas TVs, em todas as TVs, como fuzuê, trabalho de desordeiros, ação de “desocupados que queriam impedir as pessoas de chegar ao serviço”.
Esse discurso perpassou todas as coberturas. Todavia, em notícias a respeito de protestos na Venezuela mostravam-se cenas idênticas – atos de violência popular –  como movimentos coletivos necessários à expulsão de Nicolás Maduro do poder. Muitos pesos muitas medidas.

Vale lembrar que nos convescotes dominicais patrocinados pela Fiesp a cobertura era total: mostravam-se ruas cheias, pessoas brancas e socialmente bem postadas sorrindo e dizendo suas palavras de ordem. Era um protesto chic. Feito aos domingos, um passeio no parque. Afinal, era preciso depor Dilma.

Agora, quando os trabalhadores chegam à praça e bradam são desocupados, vagabundos. Há uma perceptível alteração de discurso: seja no pronunciamento verbalizado seja no enunciado videográfico.

E, transformando o ato grevista num espetáculo grotesco a ação coletiva passa a ser na TV algo que ofende a família pois foi apresentado midiaticamente como atitude de desatinados.

A greve impediu o pai de chegar ao emprego, o menino deixou de ir à escola, a mãe também não foi trabalhar? Então, a greve não presta.

Assim, esse real manipulado parece conferir veracidade ao que está sendo apresentado. Afinal, está sendo apresentado. E o que foi tornado visível torna-se verdadeiro por efeito da manipulação.

É difícil o caminho do trabalhador brasileiro. Os grupos hegemônicos estão na iminência de uma tomada de poder como jamais foi vista: a docilização completa das pessoas, sua subordinação ao custo de miserável soldo.

E tais grupos não querem perder essa oportunidade. E no fim ainda vão dizer ao trabalhador: “Está ganhando mal? Devia ter estudado.”

Só que eles também lutam para acabar com o ensino...
Imagem relacionada à publicação/
Ricardo Stuckert
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