Por Fernando Luiz*
No meu livro Dias Cinzentos, Noites Douradas, lançado em 2021 pela editora Unilivreira, que descreve a cena cultural de Natal no final dos anos sessenta até meados dos anos setenta, eu falo um pouco sobre a função exercida pelos conhecidos “arrumadores”, ou seja, os empregados dos conjuntos musicais da época. Cada conjunto musical contava com um ou mais empregados que tinham a função de montar e desmontar os equipamentos e organizar a disposição dos instrumentos durante os ensaios e nos palcos dos clubes por ocasião das festas.
Os arrumadores – eram chamados assim - com algumas exceções, sempre estavam trocando de conjunto em busca de uma melhor remuneração e entre eles havia os que se destacavam: uns pela competência, outros por serem engraçados e alguns até mesmo porque tinham seu quinhão de fama e se tornaram figuras populares, como Porróca (Os Bambinos), Kutruko (Os Infernais), Guéri-Guéri (Os Vândalos) Osmar e Miguel (Impacto Cinco), Luís Galo (The Jetsons), Mala Véia (Os Brasas), Capota (arrumador de Os Zíngaros, que ficou famoso quando colocou um teclado novo para lavar e causou um enorme prejuízo a Tiãozinho, dono do conjunto) e Mundoca, que passou por vários conjuntos. O conjunto Apaches tinha dois arrumadores: Enxiridão e Enxiridinho, apelidos colocados em ambos por João de Orestes, porque os dois sonhavam alto: queriam fazer parte do conjunto (o primeiro, de tanto insistir, se tornaria percussionista). Entretanto, o mais popular de todos os arrumadores de Natal era Serenata, que passou por quase todos os conjuntos da cidade e por muitos anos foi o arrumador dos Terríveis; tornou-se famoso por sua competência, por sua simpatia e por gostar de cantar de vez em quando nas festas. Ele foi não só uma figura folclórica, mas também pode ter sido o ser humano mais desafinado que já passou pelos palcos potiguares.
Com o passar dos anos, a categoria evoluiu e há muito tempo não se usa o termo “arrumador”; hoje existem os roadies.
A expressão “roadie” vem do inglês e trata-se de uma derivação da palavra road (estrada). Há mais de cinquenta anos, por volta da década de setenta, a expressão passou a ser utilizada, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, para apelidar os assistentes que viajavam com os artistas em suas turnês, geralmente em longas viagens de ônibus. Com o passar do tempo, os roadies tiveram suas funções ampliadas e hoje, de modo geral, eles se transformaram em técnicos que viajam com uma banda em turnê e são encarregados de lidar com as produções de shows. Atualmente, os roadies executam toda a pré-produção de um espetáculo musical ou até mesmo teatral, dando apoio na montagem da estrutura dos eventos, inclusive preparando o palco. Esse ofício gerou importantes nomes para o mundo musical, como Lemmy, que foi roadie de Jimi Hendrix, para citar apenas um exemplo.
No Brasil, ao longo das últimas cinco décadas, a atividade está sendo cada vez mais reconhecida. Hoje não se usa mais a expressão “conjunto musical” e sim “banda” ou “grupo”. Também a palavra “arrumador” deixou de ser usada e em seu lugar usa-se “roadie”. Mudou a nomenclatura, os profissionais se especializaram e atualmente tudo o que resta nas nossas mentes são vagas lembranças de quem viveu no Brasil em uma época de dias cinzentos (ditadura “braba” onde o pau comia) e de noites douradas (onde a juventude queria dançar, cantar e ser feliz).
Quem foi jovem em Natal no final dos anos sessenta e início dos anos setenta, e frequentava os clubes da cidade, talvez se lembre dos “baculejos” que faziam jovens chorarem e das desafinações de Serenata, o “roadie” que fazia as pessoas sorrirem.
Instagram: @fernandoluizcantor
*Fernando Luiz: Cantor, compositor, escritor e produtor cultural. Formado em Gestão Pública, apresenta o programa Talento Potiguar, aos sábados, às 8h30 na TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.
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