Por Emanoel Barreto – Jornalista, editor do Blog Coisas de Jornal
Não
sei se você recebe ligações telefônicas estranhas, dessas que o telefone toca,
toca, toca e quando a pessoa atende fica tudo em silêncio. Ou então é algum
indivíduo querendo convencê-lo a abrir conta num banco ou pegar empréstimo.
Talvez você não, mas eu sim. Às vezes dezenas
de vezes no mesmo dia. É como se fosse um cerco, o assédio a uma cidade sitiada
sendo eu o único morador dessa cidade. Assim, diante de tanta chateação resolvi
não mais atender: o telefone toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca,
toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca,
toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca e eu não atendo.
Mas
ontem, após mais de dez chamadas, resolvi aceitar a ligação. Era a voz de um
homem que eu não conhecia. Estava claramente bêbado. E tão logo eu disse
"alô" ele informou-me com todas as letras: “Cuidado, há perigo em
toda parte; monstros caminham entre nós e logo poderemos estar todos mortos.”
Logo percebi tratar-se de algum louco sublime
apreciando suas seis ou sete doses de uísque e topei a conversa: “Sei disso”,
garanti. E disse: “Sei mais. Descobri que meu vizinho da esquerda é um perigoso
monstro abissal que está pronto para atacar-me a golpes de clava a qualquer
momento.”
Ele respondeu: “A coisa é mais séria que isso.
O perigo são os monstros do pensamento, os monstros da alma, os que querem
invadir nossa mente e controlar nossos atos.”
Pensei que ele iria enveredar por uma
narrativa voltada para ETs ou algo que o valha, mas o sujeito passou com
incrível clareza a expor uma série de pontos de vista que comprovam que temos
monstros realmente em todo o país.
Monstros que são um prodígio de brutalidade e
terror, ameaças, ódio e medo. E o que parecia ser uma conversa de bêbado
transformou-se numa exposição veemente acerca da vida nacional, suas trapaças e
ritos de roubalheira e desmandos.
Falamos mais um pouco. Ele disse que ia pegar
mais uma dose de uísque. Eu disse "tudo bem e esperei." Ele não
voltou mais. Cinco minutos depois o telefone foi desligado. Antes uma delicada
voz feminina pediu desculpa: “Por favor, não leve a mal: meu marido quando bebe
fica pensando que o Brasil é uma terra perigosa. Não leve a mal.” E desligou.
Não levei a mal. Havia sido uma ótima
conversa. Mas de uma coisa fiquei convencido: o Brasil é uma terra perigosa.
Imediatamente
passei a chave na porta.
©2022 www.AssessoRN.com | Jornalista João Bosco Araújo - Twitter @AssessoRN | Instagram: www.instagram.com/assessorn/
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