Por João Bosco de Araújo
Jornalista ▶ boscoaraujo@assessorn.com
A súplica do
vaqueiro nos remota ao tempo de nossos desbravadores, colonizadores europeus de
cujo povoamento por estes rincões somente foi iniciado depois da região - no
litoral - ser reconquistada pela Coroa portuguesa nos embates com os holandeses
no Século XVII. A civilização nos chegava tarde, desde o Descobrimento, e por
“decreto” e medo. Medo de outras invasões, novos invasores.
E afinal, O
Tesouro de Sant’Ana o que tem a ver com essa história. Primeiramente, quero me
deter a respeito da grafia do nome de Ana, mãe de Maria. Percebe-se que o
caicoense e arredores ao escreverem preferem juntar o título de santa usando
apóstrofo: Sant’Ana, em vez de Santana, quem sabe para diferenciar do nome
comum das pessoas. Uma tese. Nesse caso, o nosso escritor não foge à regra. Se
bem, em tradição e costumes somos fartos, talvez por isso de sermos taxados de
bairristas. No bom sentido!
As histórias e
estórias d’O Tesouro de Sant’Ana (o sinal
é meu) são de uma peculiaridade extrema, esplendorosa criatividade do
autor. Sidney Caicó é uma pessoa das mais observadoras, tem um senso de análise
fora do comum. Desde criança. E o conteúdo do livro se constroi nessa criação, formada a partir de
“fragmentos de imagens ou frases contidas na mente de uma criança, repassadas
através dos tempos por pessoas que nascem com o dom da prosa. Uma boa prosa no
alpendre da casa, na reunião com a família, acompanhada de um bom café.
Histórias e estórias que falam da gente, através de nossa gente, prosas que
fazem parte de uma teia que se interliga com outras que nos permeiam a vida e
formam nossa cultura”.
É assim que o
autor intercala personagens
fictícios com a realidade vivida por antepassados de um povoado sertanejo no
interior do Rio Grande do Norte. Uma prosa misturada ao bel prazer de quem
viveu essa realidade.
Uma saga
sertaneja? Por ai veremos que as personagens
apresentadas são extraídas da região Seridó, embora o Tropeiro Manelantônho,
que centraliza o enredo do livro, viaje através dos tempos, atravessando
sertões e litoral do Brasil e meio-mundo afora, como Estados Unidos e Triângulo
das Bermudas, acolhendo amigos e inimigos. Nesse contexto, trabalha
secretamente para os aliados da Segunda Guerra Mundial e se torna fornecedor
para os cangaceiros mais famosos da história do País, Lampião e Antônio
Silvino. Sem contar que é amigo do jovem Frei Damião.
Envolvidos
em peripécias, outros personagens Primo, Daneco e Lãmprio se metem em situações
nada convencionais, como nas aparições de objetos voadores não identificados,
extraterrestres, aventuras nunca imagináveis, nem a uma santa, na publicação,
Nossa Senhora Sant’Ana. Drama, terror,
misticismo, medo, paixões, botija, carro-de-boi de ouro, e a prosa se torna tão
real que mesmo alterando a história, por ser contada com tanta convicção e
entusiasmo, convence o leitor de que tudo, por mais que seja fantasioso, se
torne realidade em O Tesouro de Sant’Ana.
Tudo é
fantástico, literalmente, e cada um dos treze capítulos apresenta cenas vividas
no tempo e espaço de cada personagem, através do qual, propositalmente, os
verbos falados podem estar no presente para criar a convicção e transformar a
ficção em uma realidade mais próxima do leitor. Ou seja, quando um personagem
se remete ao passado logo se percebe que o diálogo discorre no presente.
O autor utiliza o
pincel da imaginação ainda de quando criança ouvira as prosas dos adultos no
alpendre - outro exemplo, a latada da casa, muito comum na região - e alegra-se
com as alegorias que servem de cenários para dar vida às prosas no livro, em um
criativo mundo de cores, ambientes e personagens que irão povoar a imaginação
do leitor, na compreensão do diálogo apresentado.
Pretensioso, ou
não, o autor busca em O Tesouro de Sant’Ana uma analogia cinematográfica, ou
mesmo cenário de uma surreal peça teatral. As histórias e estórias se passam em
mais de um século, entre os anos de 1900 a 2010, embora as origens dos
antepassados se firmem no Século 19, de onde nascido das raízes do Umbuzeiro, comunidade rural
caicoense, Sidney é bisneto de Manoel Antônio e neto de Manoel Salviano, e foi
um dos organizadores do encontro das Famílias Antônio e Salviano, iniciado em
2008, que se realiza durante a Festa de Sant’Ana.
Fico
muito grato pelo convite para escrever o prefácio, aliás, ele me confidenciou
há tempo que o livro estava pronto, disse que também teria mostrado a Caboré, o
jornalista Orlando Rodrigues, que foi vizinho dos Antônio na Praça José Augusto
e seu filho é casado com uma prima de Sidney. A propósito, o livro de Caboré, O
Fogo da Pedreira, de 2001, no centenário do histórico acontecimento da Fazenda
Pedreira pelo cangaceiro Antônio Silvio e seu bando, tem minha a apresentação,
através de artigo publicado no jornal Tribuna do Norte, intitulado
“Pilão-Deitado no fogo cruzado de Pedreira”.
Salve
Sant’Ana!
Ê
boi, ô vida de gado! Viva Tijoca, vaqueiro valente das bandas do Imbuzeiro.
- Texto original
do prefácio enviado para a publicação do livro “O tesouro de Sant’Ana”, de
autoria de Sidney Caicó, publicado pela Editora Multifoco (RJ), em 2016, que embora tenha excluído trechos do
artigo, se torna público, na integra.
- Confira aqui mais publicações, antes e durante o lançamento do
livro, e em outros jornais.
Foto
reprodução capa/livro
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