Em Tibau do Sul os cantos dos últimos
suspiros
Por Severino
Vicente*
Á
aproximadamente 90 quilômetros de Natal, entre a Lagoa de Guaraíras e o Oceano
Atlântico na Região do Litoral Agreste nasce uma povoação, habitada
primitivamente por tribos indígenas com a denominação de Tibau, que significa
região entre duas águas.
Nessa
importante e histórica comunidade de uma forte resistência cultural folclórica,
ainda podemos ouvir emocionantes e penosos cantos de Inselênça. Um costume
introduzido no Brasil pelos negros africanos, uma tradição remanescente do
‘Itambí Africano”, registra o pesquisador Gonçalves Fernandes em “O Folclore
Mágico do Nordeste”.
Inselênça é
uma corruptela de Excelência, que pode também ser pronunciada inselência. Canto
entoado á cabeça dos moribundos ou de
mortos em velórios que vara a madrugada “fazendo quarto”, na sala onde está o defunto. Costumam se
reunir beatas e cantadoras de benditos em súplica á Virgem Maria e são
Benedito, santos de muito prestígio no sertão, para que recebam a alma do
moribundo ou morto, dando-lhe um bom lugar no céu. Quando entoados
“ante-mortis”, apelam ao moribundo para se arrepender em tempo dos pecados
praticados.
Há uma
diferença entre Inselênça e Bendito. O primeiro é uma súplica ao morto, o segundo
é um canto de louvor ao santo.
A tradição
popular entende ser uma coisa sagrada que respeita e cumpre todos os princípios
do ritual, e , o não cumprimento destes é tido como agravo ou desrespeito ao
santo a quem se dirige a súplica da Inselênça. Com a retirada do cadáver para o
enterro, no momento em que estão cantando, as cantadeiras costumavam acompanhar
o cortejo até o final. Acreditavam que se todo ritual não fosse cumprido, Nossa
Senhora permaneceria de joelho, e o espírito, em função desse desrespeito não
ganharia a salvação.
Luiz da
Câmara Cascudo no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, diz-nos que eram
praticadas com freqüência nos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e até em
outros Estados do Brasil, Augusto César Pires, em Estudos Etnográficos,
Filológicos e Históricos, diz que ainda é possível identificar esse ritual nas
regiões do Douro e Minho em Portugal.
As
Inselênças são cantadas sem acompanhamento instrumental e repetem de forma
uníssona doze vezes cada canto, iniciados sempre com ‘Uma Inselênça”.... Há
vários tipos de Inselências: para chuva, trovoada, tempestade, peste, vento,
santos e anjos. Contudo, as mais difundidas no Rio Grande do Norte são para
moribundos e mortos.
Tenho
viajado muito em pesquisas por várias regiões do RN, e, esse tipo de manifestação cultural só foi
encontrado em Tibau do Sul. Contudo, pode ainda existir nos grotões do Seridó e
Alto Oeste, essa relíquia dos muitos fragmentos folclóricos herdados do mundo colonizador, cantado nas afinadas
vozes das senhoras Biga e Noêmia, uma descoberta do pesquisador Dácio Galvão
nas competentes pesquisas realizadas no país de Hélio Galvão, Seu pai. A
convite de Dácio fomos a Tibau testemunhar a descoberta desta preciosidade, que
logo depois foi registrado em CDs, pelo projeto Toques & Cantares, com
Direção Artística e Musical do próprio Dácio Galvão. Foram documentados seis
cantos de inselênças para mortos, nas vozes destas importantíssimas artistas da
memória popular que em muito engrandece o País de Tibau do Sul.
Recentemente
voltam a brilhar, desta vez um arranjo com três cantos, feito por Sergio Galo
da Paraíba, uma releitura com o cantor e compositor Jangai, ilustrando a trilha
sonora do filme As Pelejas de Ojuara.
*Texto retirado da página do Jornal Zona Sul
Foto relacionada à divulgação
reproduzida da internet
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