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sexta-feira, 8 de março de 2019

Memória: Valentia de mulheres potiguares

Por Anchieta Fernandes*

Em livros e artigos publicados em jornais e revistas, já se tem destacado o pioneirismo de mulheres potiguares: na política (a primeira eleitora no Brasil: Celina Guimarães Viana), na administração (a primeira prefeita no Brasil: Alzira Soriano), na aviação (a primeira brasileira brevetada por uma escola de aviação: Lucy Garcia). Mas, merece ser relembrada sempre a própria valentia, a bravura de algumas potiguares que enfrentaram a arbitrariedade de poderes constituídos, ou de potências estrangeiras, em nome de patriotadas, de religião, de domínio econômico.

É necessário se fazer uma soma de fatos, onde a memória de procedimentos femininos heróicos, colhidos de dentro de recortes históricos, sirva à identidade da mulher potiguar em um único volume de uma nova História do RN, segundo o viés dela, o pertencimento dela ao patrimônio das decisões históricas, mesmo contra a vontade masculina. Não para separar um sexo do outro (“guerra dos sexos” é mais uma expressão para telenovelas da Rede Globo), mas para complementar, com a versão dos fazeres femininos de luta, esta nova História do Rio Grande do Norte.

Vejamos a história de algumas destas nossas conterrâneas, como corajosas representantes do seu sexo que não se submeteram a determinadas imposições masculinas. Comecemos por aquela que é considerada a primeira guerreira, a primeira mulher que, por vezes as tarefas familiares para empunhar armas em defesa da terra brasileira: a índia Clara Camarão.Esposa de Poti, batizado como Dom Felipe Camarão, combatente contra a invasão holandesa, Clara surpreendeu o marido e outros guerreiros (portugueses) pela coragem e pela habilidade no manejo das armas.

Em seu livro “Natureza e História do Rio Grande do Norte”, João Alves de Melo conta: “Mergulhada nas hostes de Henrique Dias, à frente dos seus negros, e Camarão à frente dos seus índios, Clara Camarão comandava a sua esquadra de mulheres, por ela atraídas e por ela dominadas, lançando-se com elas na vanguarda das tropas que combatiam. E o seu nome ficou, como uma legenda, nessa batalha de Porto Calvo, em 1643”. Clara era da tribo dos Carijós e foi escolhida pelo Chefe dos Potiguares para sua esposa. Viveram no lugar conhecido como Aldeia Velha (hoje, bairro de Igapó).

Outra mulher heroína, de inequívoca, foi Ana Floriano. Mãe do jornalista Jeremias da Rocha Nogueira, demonstrou em Mossoró sua coragem em pelo menos dois episódios. O primeiro foi a 1 de janeiro de 1875. Devido ao jornal O Mossoroense sempre ter demonstrado independência de opinião diante dos erros das autoridades locais, criticando-os, foi motivo de uma tentativa de empastelamento no referido dia 1 de janeiro de 1875. O jornalista Lauro da Escóssia, bisneto de Ana, contou em um número d’O Mossoroense (exemplar de 17 de outubro de 1972) como foi a coisa e quem a heróica mulher enfrentou:

“Um grupo capitaneado pelo deputado Rafael Arcanjo da Fonseca, na mais ignóbil ostentação de desordem oassou todo o dia fazendo exibições nas ruas da cidade. Há em torno dessa pérfida atuação dos desordeiros, aquele episódio conhecido da história e registrado na agência consular portuguesa, onde o diretor e redatores do jornal (...) se homisiaram. Ana Floriano, a mãe de Jeremias, postada no descanso da escada que levava ao primeiro andar do prédio em que estavam os jornalistas, gritou para a turma de desordeiros alcoolizados posta ao pé da escada: “Quem subir a escada morre na ponta deste espeto!”

Em setembro do mesmo ano, Ana liderou um grupo de umas 300 mulheres que, inconformadas com o sorteio obrigatório dos nomes de filhos e maridos para o serviço militar, foram até à casa do escrivão do Juiz de Paz, e tomaram papéis e livros concernentes ao sorteio para o exército e armada, rasgando-os. Amotinadas mesmo, as mulheres se dirigiram à Praça da Liberdade, para enfrentarem um corpo da Polícia, organizado para dominá-las. Aos gritos de “Avança!” as mulheres lideradas por Ana entraram em luta com os soldados, tendo como conseqüência feridos e feridas no calor do entrevero.

O ano de 1934 possibilitou vir à tona a coragem das mulheres do Rio Grande do Norte sob dois prismas: o da luta eleitoral, e o das lutas sindicais no viés das guerrilhas. Governava o estado o Interventor Mário Câmara. Desenvolvia-se desde 1933 a campanha para as eleições à Constituinte Federal. Num clima de muita violência, ocorrendo desde surras aplicadas contra padres até o assassinato do engenheiro Otávio Lamartine. Filho do ex-governador Juvenal Lamartine. Os membros do Partido Popular diziam que estas violências eram perpretadas pela Aliança Liberal, o partido de Mário.

As mulheres reagiram bravamente a estas violências. Um dos fatos conhecidos é o que aconteceu em Caraúbas. O jornal oposicionista A Razão publicava artigos narrando as violências, e acusando de autores o interventor através de bandos armados. O Dr. José Augusto, um dos líderes do Partido Popular, anunciara sua passagem por Caraúbas, como uma das etapas da campanha. Joaquim Saldanha, líder da Aliança em Caraúbas, andou dizendo que faria o Dr. José Augusto engolir um dos exemplares d’A Razão, para “dar uma lição”. A comitiva populista foi recebida na cidade aos gritos de “morram!” pronunciados por um grupinho.

Na sala de uma das casas da cidade, de propriedade de José Leônidas Fernandes, foi realizada uma sessão para se homenagear a comitiva e se ouvir as propostas do Partido Popular. Quando os recém-chegados ouviam um discurso de saudação de Filemon Pimenta, entrou na sala, de rebenque em punho, e exibindo um exemplar d’A Razão, dizendo que “vinha cumprir a promessa”, Joaquim Saldanha. Enquanto o Dr. José Augusto dava as costas ao aliancista, a jovem Arlete Fernandes, num ímpeto de bravura, chegou perto de Joaquim Saldanha, e gritou bem alto: “Viva o Dr. José Augusto!”

Também no interior, se desenvolvia na época a luta do sindicalismo. Mas um sindicalismo consciente, não atrelado ao peleguismo. Vinha desde os anos 20 no Rio Grande do Norte. A historiadora Brasília Carlos Ferreira, em seu livro “O Sindicato do Garrancho” (Departamento Estadual de Imprensa, 2000), dá notícia do Sindicato Geral dos Trabalhadores, existindo no estado durante a referida década de 20. Este sindicato publicava o jornal semanal “A Folha Operária”. No começo da década de 30, foi fundado em Mossoró o Sindicato dos Trabalhadores em Salinas (também chamado Sindicato do Garrancho).

Este sindicato faria uma experiência pioneira de guerrilha, em 1934, onde, no combate contra os “coronéis” latifundiários da região morreu o grande proprietário de terras e de gado Arthur Felipe. Orientados pelo sindicato, todas as salinas da região oeste já haviam feito uma greve geral em 1932. O importante na guerrilha de 1934, é que empregadas domésticas, de uma Associação de Mulheres, foram importantes na aquisição de armas para a luta. Tomavam ou roubavam revólveres, botavam no seio e levavam para os guerrilheiros. De uma vez, pegaram 12 rifles da companhia Força e Luz de Mossoró, quando estavam limpando as armas.

Passam-se os anos. Em 1964, vem o golpe militar da direita no Brasil. Prisões. Mortes. Torturas. Os mandões do dia tiram antidemocraticamente do seu cargo o Prefeito de Natal, Djalma Maranhão. Dentre os prisioneiros políticos feitos no estado, além do prefeito e do seu vice, Luiz Gonzaga dos Santos, estavam algumas mulheres: Maria Laly Carneiro (hoje, médica e condessa, na França), Margarida de Jesus Cortez, Maria Diva de Salete Lucena e Mailde Ferreira Pinto. Esta última (hoje, casada com o escritor Cláudio Galvão) era na época a Diretora da Diretoria de Documentação e Cultura, órgão da Prefeitura Municipal de Natal.

Ela, embora atemorizada, é claro, pela brutalidade dos métodos empregados por policiais e outros militares contra presos políticos, demonstrou algumas vezes rara coragem. Uma das suas reações corajosas, onde se pode deduzir exemplo de resistência, foi quando um policial que a interrogava, perguntou (sugerindo capciosamente que ela iria comandar guerrilhas) se ela “gostava de empunhar metralhadora.” Ela sentiu-se insultada, sustentou seu olhar contra o do militar “e nada respondi” (conta ela em seu livro “1964. Aconteceu em Abril”, precioso documento sobre o que se sofreu naqueles anos de chumbo).

A valentia da mulher potiguar foi demonstrada, inclusive, fora do estado. Como exemplo, pode-se mencionar o caso de Irmã Lindalva (Lindalva Justo de Oliveira). Nascida em Assu, fez Noviciado na comunidade da Casa de Caridade Imaculada Conceição, em Nazaré da Mata, Pernambuco. Foi enviada para servir no Abrigo Dom Pedro Segundo, em Salvador. Desrespeitando a sua condição religiosa, um dos abrigados tentou levá-la a infames práticas sexuais. A jovem freira rejeitou com firmeza, e foi assassinada em 1993. Em 2007, foi beatificada como Mártir.          
Foto relacionada à publicação/
Capa do livro “Lindalva Justo de Olveira”
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