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domingo, 12 de julho de 2015

Eu, menino; Josias, barbeiro!

Por João Bosco de Araújo*
Jornalista boscoaraujo@assessorn.com  

Confesso que me emocionei ao ler matéria, nas páginas deste jornal, da despedida de Josias como barbeiro, fechando seu ponto na Avenida Rio Branco, no centro de Caicó. As lágrimas me chegaram por razões simples: O salão de Josias tem uma cumplicidade com minha infância, fora do comum. Tanto é assim que todas as vezes que volto a Caicó tenho que passar em frente à barbearia, religiosamente. Bastava isso. Poucas vezes uma parada e uma prosa, o aceno de cumprimento; porém, assiduamente, a passadinha.

Na minha infância, há pouco mais de quarenta anos, poucos metros afastavam a barbearia da casa de onde morávamos, em frente à usina de Dinarte. O corte de cabelo “alemão” nunca mudava, era um pedido de meu pai Pedro Salviano que no sábado pagava a conta deixada por mim e meu irmão Gilberto. Depois veio Flávio, meu irmão caçula, mais um a sentar-se na cadeira, embora já com a luxuosa reforma que o salão ganhou, um salto grande para a época, e que perdurou até agora. 

Tiago, depois Chicão, completavam o time de barbeiros. Foram dali as minhas primeiras notícias ouvidas de política e estava entre os assuntos mais prediletos do dia. De um lado, os dinartistas, do outro, os aluizistas. Entre um corte de cabelo e uma barba, a tesoura afiada da língua cortava um candidato posto na ciranda de discussões. A defesa era rápida, nunca faltando o acirramento e o aumento dos ânimos.

A navalha não parava, fosse na barba do cliente ou na conversa direcionada a um figurão de plantão. Desaforos à parte, não havia perdedores. As investidas de Maria de Tibúrcio contra Dr. Chiquinho que ela o chamava de “Burra-cega”, candidato a prefeito do lado vermelho. Os ataques de “cadê o touro, Polion”, ao lado verde, de ‘Seu’ Manoel, perdendo a campanha por apenas 72 votos das urnas de Lajinhas. 

Futebol, outro assunto em pauta, mulheres, as mais faladas, o inverno ou as chuvas que não chegavam! Quem matou Dr. Carlindo e Aníbal? Ninguém se atrevia a comentar. A não ser o bang-bang da tela do cinema de “Seu” Severino Modesto, posteriormente de “Zé do Ouro”. O movimento estudantil se organizava, com a União Estudantil Caicoense (UEC). Os irmãos Ruy Pereira e Jaime Calado, juntos com Jose Bezerra, Salomão Gurgel e outros combatentes, enfileiravam a defesa da categoria. O mundo explodia de protestos. Em Brasília, na nova capital federal, os generais endureciam o regime.

O salão da barbearia de Josias, como se vê, tinha suas peculiaridades e para quem era apenas uma criança  chegando depois à adolescência, marcou definitivamente, além daquele corte de cabelo de recruta, de soldado germânico. Anos mais tarde, na juventude, os cabelos longos, estilo black, faziam a cabeça da rapaziada. O distanciamento de Josias, e sua barbearia, se deu naturalmente, comigo, particularmente, que migrei para o Sudeste.

Josias Alves de Medeiros, seu nome completo, na véspera de seus 80 anos, disse na reportagem que parou por causa da idade, alegando estar velho, sem futuro de tudo. Tudo foi seu trabalho de mais de meio século dedicado diariamente a sua fiel clientela. Desde meninos como eu - que na época ao me sentar na poltrona ele colocava uma tampa de mala de madeira para ficar na altura ideal -, a jovens, adultos e aposentados que freqüentaram seu salão até a primeira semana deste fevereiro de século 21, e que a partir de então passa para a história do cotidiano e da vida do povo caicoense.

O tempo da conjugação verbal também mudou. Ficou assim: “todas as vezes que voltasse a Caicó, teria que passar na barbearia de Josias”. Basta isso, para que me aperte uma saudade danada!

“Josias, vim para você tirar meu cabelo, depois meu pai lhe paga”, era assim o diálogo, eu menino, ele barbeiro!

*Texto originalmente publicado no Diário de Natal em 14/02/2009 (foto), embora na atualidade o nosso Josias não esteja mais neste mundo dos mortais.

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