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domingo, 29 de junho de 2025

WALDICK NÃO ERA CACHORRO, NÃO

  Por Fernando Luiz*

Se fosse vivo, Waldick Soriano teria completado 82 anos no dia 13 de maio passado. A atriz Patrícia Pilar afirmou, quando o cantor era vivo, que sempre gostou das músicas do “Frank Sinatra” brasileiro, dizendo que suas canções tinham “um que” especial que sempre a impressionaram e deslumbraram. Ela o admirava tanto que em 2006 resolveu fazer um filme sobre a vida do artista.

Waldick Soriano compôs verdadeiras pérolas da música romântica brasileira, mas sempre foi discriminado pela elite preconceituosa e por pessoas que, alegando ter “bom gosto musical”, detestavam seu trabalho, embora o artista fosse amado por milhões de brasileiros.

O cantor baiano, de origem pobre, sempre foi estigmatizado e sofreu a mesma discriminação da qual também foram vítimas artistas populares como Paulo Sérgio, Odair José, Agnaldo Timóteo, Lindomar Castilho, Nelson Ned, os potiguares Carlos Alexandre e Carlos André (Oséas Lopes) e inúmeros outros.

Compondo e cantando um tipo de música cujo tema central era a história de amores frustrados, utilizando-se de visuais aberrantes e inusitados – considerados de mau gosto – os artistas que, como Wakdick Soriano cantavam músicas consideradas cafonas, faziam parte da geração brega, que teve seu apogeu em meados dos anos 70, em plena ditadura militar. 

Os cantores bregas não tinham formação cultural sólida e as suas canções, quando tinham apelo social, isso ocorria de maneira inconsciente. A única exceção a essa regra era Odair José. Por compor músicas elevando a autoestima das empregadas domésticas (Deixe Essa Vergonha de Lado), protestando contra o programa governamental do governo militar de controle da natalidade (Pare de Tomar a Pílula) e quebrando o preconceito contra as prostitutas (Eu Vou Tirar Você Desse Lugar), Odair foi chamado pelo jornalista e produtor musical Luiz Antônio Mello de o “Bob Dylan da Praça Mauá”.

Nos anos setenta, os cantores de brega faziam shows em circos, cinemas e clubes do interior. Ganhando cachês muito abaixo da média dos medalhões da MPB, os bregueiros eram campeões da venda de discos, davam lucros exorbitantes às gravadoras e muitas vezes cobriam o prejuízo dado pelos discos gravados por grandes nomes da MPB, cujos discos (de qualidade excepcional e de suma importância para a música brasileira) vendiam pouco por causa das produções caríssimas; mesmo assim, os cantores cafonas ainda enfrentavam – pasmem – a Censura, embora fossem pessoas despolitizadas.

O brega sempre foi considerado como um subproduto do gueto da cultura de massa, apesar de ser apenas um movimento musical de grande importância. O “santo protetor” dos cantores de Brega (São Caetano... Veloso) deu o primeiro passo para resgatar o movimento, ao regravar Coração Materno, de Vicente Celestino. Depois, continuou quebrando tabus: regravou Eu Vou Tirar Você Desse Lugar, de Odair José (ao vivo, no evento Phono 73 promovido pela gravadora Philips), Sonhos (de Peninha), Você Não Me Ensinou a Te Esquecer (de Fernando Mendes)  e Sozinho, também de Peninha, que rendeu a Caetano o primeiro disco de platina da sua carreira. A partir daí, os intelectuais passaram a considerar como “joias da MPB” canções que eram “inaudíveis”, nas vozes dos seus criadores...

O escritor e pesquisador baiano Paulo Cézar Araújo – citado por mim em outros artigos anteriores – no seu livro Eu Não Sou Cachorro Não, colocou o brega no seu devido lugar, como um movimento musical autêntico. 

Não se pode afirmar que a música brega é rica em poesia e melodia; todavia, a “intelectuália” brasileira precisa se lembrar das lições de Caetano Veloso e de Paulo Cézar Araújo, reconhecer a importância do brega e respeitar os artistas que fazem parte do movimento. Respeitá-los como artistas e seres humanos. E se possível, voltar no tempo e lembrar que Patrícia Pilar resgatou a memória de Waldick Soriano.

Afinal, Waldick Soriano, não era cachorro, não.

Instagram: @fernandoluizcantor

*Fernando Luiz: Cantor, compositor, escritor e produtor cultural. Formado em Gestão Pública, apresenta o programa Talento Potiguar, aos sábados, às 8h30 na TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.


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