Natal, década de 40
Por
José Correia Torres Neto*
O
seu ”estabelecimento” era o refúgio dos homens da cidade, com residência fixa
ou, simplesmente, por passagem por Natal, e servia de referência geográfica na
cidade. Jovens, militares e figurões acolhiam-se envoltos nas carnes mornas das
meninas de Maria Boa. Muitas mães de família tiveram que amargar, em silêncio,
a presença de Maria Boa no imaginário de seus maridos em uma época de evidente
repressão sexual. Vários fatos envolveram a personagem. Um episódio muito
comentado foi a pintura realizada pelos militares em um avião B-25. Um dos mais
famosos aviões da 2a Guerra Mundial, os B-25 eram identificados com cores
características de cada Base Aérea. Os anéis de velocidade das máquinas
voadoras da Base Aérea de Salvador eram pintados com a cor verde. Os aviões de
Recife, com a cor vermelha, e os de Fortaleza, com a cor azul. Para a Base de
Natal foi convencionada a cor amarela.
Os
responsáveis pela manutenção dos aviões em Natal imaginaram também que deviam
ser pintados no nariz do avião, ao lado esquerdo da fuselagem, junto ao número
de matricula, desenhos artísticos de mulheres em trajes de praia. Autorizada
pelo Parque de Aeronáutica de São Paulo, a idéia foi colocada em prática. Pouco
tempo depois, os B-25 de Natal surgiram na pista com caricaturas femininas e
alguns até com nomes de mulheres. Alguns militares da Base escolheram o B-25
(5079), cujo desenho se aproximava mais da imagem de Maria Barros.
Outras
aeronaves também receberam nomes como “Amigo da Onça” e “Nega Maluca”. Quem
custou a acreditar neste fato foi a própria Maria. Até que alguns tenentes
decidiram levá-la até à linha de estacionamento dos B-25 logo após o jantar,
para não despertar a atenção dos curiosos. Ela constatou o fato. As lágrimas
verteram de seus olhos quando viu à sua frente, pintada ao lado do número 5079,
a inscrição “Maria Boa”. O mito “Maria Boa” rendeu trabalhos acadêmicos: o de
Maria de Fátima de Souza, intitulado: “A época áurea de Maria Boa (Natal-RN
1999)”. O trabalho aborda o “fenômeno da prostituição infanto/juvenil, suas consequências
e causas no desenvolvimento físico e psicossocial de crianças e adolescentes
(...). Com o aprofundamento dos estudos percebemos o importante papel dos
bordéis na prostituição, bem como o fechamento dos mesmos (...). Chegamos então
ao cabaré de Maria Boa, já fechado.
Tivemos,
assim, a oportunidade de conhecer um pouco da saga da Sra. Maria de Oliveira
Barros, uma profissional do sexo, com grande importância na história da
prostituição de adultos, ou ainda, tradicional; das histórias contadas a seu
respeito chamou-nos atenção para sua representação social, seu “mito” e sua
ligação com o imaginário masculino. Com isso, passamos a averiguar mais
profundamente uma participação na sociedade da época e buscamos reconstruir
parte de sua história enquanto meretriz, cafetina, e proprietária da mais
famosa casa de prostituição que o RN já conheceu. ”O Professor Márcio de Lima
Dantas publicou em 2002 o texto “Retratos de silêncio de Maria Boa”. “(...)
Para além da atitude ética de proteger sua família, o que faz parecer um jogo
com a hipocrisia da sociedade, penso que, na atitude de se manter reservada, se
inscreve outro aspecto digno de ser ressaltado.
Falo
do mito que entorna a personagem Maria Boa, de certa maneira, criada e
ritualizada por ela mesma, dimensão de fantasia para além do empírico
vivenciado. (...)Astuciosamente se fez conhecer por “Maria”, o antropônimo mais
comum no universo feminino, genérico e pouco dado a divagações semióticas. Ironicamente
é o nome da mãe de Jesus... Quem não tinha conhecimento no Estado de uma
proprietária de um requintado lupanar, e que se chamava Maria, a Boa. O mito,
da constituição do éter, era aspirado por todos, preenchendo necessidades,
ocupando lugares no espírito, imprimindo fantasias nos adolescentes,
despertando em jovens mulheres as aventuras da carne, engendrando adultérios
imaginários.
Integrava,
assim, o patrimônio individual e coletivo. (...)”Eliade Pimentel, no artigo “E
o carnaval ficou na memória” destaca a presença de Maria Barros nos carnavais
de Natal: Lá pela década de 50, os desfiles passaram a acontecer na avenida
Deodoro da Fonseca. Maria Boa desfilava com Antônio Farache em carros
conversíveis. “Em 2003 o cantor Valdick Soriano, quando entrevistado por
Everaldo Lopes, registrou que quando esteve em Natal, pela primeira vez, cantou
até para as meninas de “Maria Boa”. Maria Barros é história. Mesmo sendo
paraibana é a Primeira Dama (ou anti-Dama) de Natal. Impera nas lembranças dos
seus contemporâneos e se faz presente nos prostíbulos que ainda resistem nas
periferias da cidade ou travestidos de casas de “drinks” nos bairros mais
nobres. Ela é citada no filme For All - O Trampolim da Vitória (vencedor do
Festival de Gramado em 1997) de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz. O filme retrata
a cidade do Natal em 1943 quando a base americana de Parnamirim Field, a maior
fora dos Estados Unidos, recebe 15 mil soldados, que vão se juntar aos 40 mil
habitantes da cidade.
Para
a população local a guerra possuiu vários significados. A chegada dos militares
americanos alimentou fantasias de progresso material, romance e, também o
fascínio pelo cinema de Hollywood. Em meio aos constantes blecautes do
treinamento anti bombardeio, dos famosos bailes da base aos domingos, dos
cigarros americanos, da Coca-Cola e do vestuário estavam os sonhos natalenses.
Sem questionamentos, “Maria Boa” foi uma das principais atrizes no elenco desse
belicoso teatro. A Primeira Dama Maria Boa...
Para
a dupla JL e Gê lembra dos tempos de gente pequena.
Quem
não se lembra da famosa Maria Boa? Eu a conheci de uma forma muito
interessante.
Quando
tinha uns 15 anos, a casa vizinha à nossa, na Cel. Glicério Cícero, no Barro
Vermelho, foi alugada a uma senhora já idosa que tomava conta de dois netos,
uma menina e um menino. Com o passar do tempo soubemos que a senhora era a mãe
de Maria Boa e que as crianças eram seus filhos. O pessoal da rua se isolou
daquela senhora. As crianças estudavam no Colégio das Neves, bem pertinho de
onde morávamos.
Um
dia, a velha veio nos convidar para a primeira eucaristia de sua neta. Ninguém
na rua compareceu, mas eu, sempre danada de curiosa fui lá contra a vontade de
mamãe. Cheguei e encontrei uma grande festa com diversas senhoras, cada uma
mais bem vestida do que a outra, com muitas jóias etc. Fui apresentada à mãe da
menina, chiquérrima, elegantíssima e muito fina. Aí descobri porque era tão
procurada...
*Texto reproduzido do Jornal Zona Sul, de 2 de julho de 2023.
Foto de Maria Barros retirada do jornal zona sul
e a dos militares da internet por Getty
Images/Fifa
©2023 www.AssessoRN.com | Jornalista João Bosco Araújo - Twitter @AssessoRN | Instagram:https://www.instagram.com/assessorn_/
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