“Ele vê a
seca, o mato que deveria ser verde tudo queimado. Os rios, ao invés de água,
tem areia quente em seu leito. Suas nascentes mortas consumidas”, escreve
Graciliano Ramos em “Vidas Secas”, narrando um cenário típico da Caatinga,
bioma exclusivamente brasileiro que ocupa cerca de 10% do território nacional,
predominantemente no Nordeste.
A palavra
caatinga tem origem tupi-guarani e significa “mata branca”, com referência à
cor prevalente da sua vegetação durante a estação seca, quando as plantas
perdem as folhas e só voltam a ficar verdes no inverno, devido à chuva -
fenômeno descrito por Luiz Gonzaga e Zé Dantas, na canção o “Xote das meninas”:
“Mandacaru, quando fulora na seca é um sinal que a chuva chega no sertão”.
Apesar de o
bioma ser um patrimônio valioso, já que contribui para a fixação do carbono da
atmosfera, diminui o efeito estufa e o aquecimento global e melhora a
conservação da água, do solo e da biodiversidade, a Caatinga tem sido desmatada
para o consumo de lenha nativa e para a conversão dos espaços em pastagens e
agricultura, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA).
A vegetação
da Caatinga é rica em espécies de plantas e animais adaptados às adversidades
dos prolongados períodos secos. Nas situações de maior umidade da terra,
encontram-se árvores como o juazeiro, aroeira e baraúna. Já na seca, com solo
pedregoso, crescem o facheiro, mandacaru, xique-xique e macambira.
Diante de
sua importância ambiental e pela falta de estudos científicos sobre o tema,
surgiu no Laboratório de Farmacognosia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) o interesse em pesquisar sobre a Erythrina velutina Willd, chamada
popularmente de mulungu e conhecida também como canivete ou corticeira, que
apresenta propriedades calmante, expectorante, antibacteriana, entre outras
aplicações medicinais.
A professora
Raquel Brandt Giordani, do Departamento de Farmácia (DFARM- UFRN), iniciou suas
pesquisas com plantas da Caatinga há cerca de sete anos e viu no edital público
do Instituto Serrapilheira, iniciativa que visa financiar projetos de pesquisa
com caráter inovador, a oportunidade de analisar o vegetal de sementes
vermelhas. “O Instituto pediu uma ideia inovadora, algo que fosse fora do que
normalmente é feito com produtos naturais no Brasil. Para fazer isso, a gente
teve que elaborar uma pesquisa do que estava sendo tendência nas principais
revistas científicas, mas, o que é tendência, costuma estar atrelado a um alto
custo e ao uso de alta tecnologia. Então, por causa do auxílio financeiro do
Serrapilheira, a gente vai ter acesso a tecnologias usadas lá fora há muito
tempo e que são muito caras”, explica a pesquisadora.
O estudo tem
como objetivo analisar os alcaloides, substância produzida pela planta por meio
de aminoácidos, os quais pertencem à classe de produtos naturais produzidos
pelas plantas e que parte dos medicamentos do mercado usa como princípio ativo
na terapêutica de doenças. O trabalho iniciou com a coleta do mulungu, entre os
municípios potiguares de Acari e Jardim do Seridó, na beira de estradas ou na
margem de fazendas. Segundo o botânico do grupo de pesquisa, Alan Araújo Roque,
a planta “é uma árvore de aproximadamente cinco metros de altura, com acúleos
(semelhante a um espinho) bastantes característicos no caule e flores vistosas
alaranjadas”, caracteriza.
A escolha
desses locais se deu para que o vegetal estivesse em seu ambiente natural e com
menos influência humana. Como a intenção é analisar o RNA, molécula sensível,
ao coletar o material biológico foi feito o congelamento em nitrogênio líquido
e o armazenamento até chegar ao laboratório da UFRN, onde aconteceu a tritura
do material e a separação em semente, caule e folha. Em seguida, as amostras
sofreram a extração de metabólicos, com enfoque nos alcaloides.
Os outros
passos da análise do vegetal ocorrem em parceria com outras instituições de
ensino como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Brasília (UnB)
e a Universidade Estadual Paulista (UNESP). “Depois que recebermos os resultados
da bioinformática, temos que analisar e interpretar esses dados e transformar
em nosso trabalho com resultados. A previsão é fechar em março de 2019”, conta
a cientista. Entre os resultados esperados, estão a perspectiva de contribuir
para o conhecimento sobre a Caatinga, compreender como fatores de um ambiente
de multiestresse se coordenam e, em longo prazo, atingir à sociedade com a
descoberta de novos alcaloides a serem aplicados na indústria farmacêutica.
“Por ter
características tão únicas, muitas espécies são endêmicas, ou seja, não existem
em nenhum outro lugar do mundo. É um ambiente excessivamente exposto a
atividades econômicas que degradam a vegetação e o solo. Além disso, é um bioma
pouco estudado, pouco pesquisado. Então, muitas espécies de animais e plantas
correm risco de desaparecer sem nem ao menos serem conhecidos”, relata o
botânico.
Já para a
docente, há um trabalho longo pela frente e a missão do grupo de pesquisa é
mostrar a atividade dos alcaloides do mulungu. “Outros setores da ciência
farmacêutica mostrarão as consequências. Quando a gente compreende como a
planta produz tal molécula e ela é de interesse da indústria, a biotecnologia
pode ajudar a fazer o melhoramento na planta para que ela possa produzir mais
eficientemente a substância”, citando como exemplo a forma como esses vegetais
resistem à seca da Caatinga. Não à toa, é a mesma que um vegetal pode ser
produzido para sobreviver e ser mais resistente.
Aprovada
para o financiamento do primeiro ano e com perspectiva de duração de quatro
anos, a pesquisa começa analisando o Mulungu, mas tem a perspectiva de
investigar mais dois vegetais. Contudo, há a dependência da representatividade
estatística das amostras, uma vez que é preciso coletar em cinco locais
diferentes e, em cada local, no mínimo cinco plantas para que o resultado seja
confiável. A ideia é analisar as três plantas para, ao final, comparar todas
elas e chegar à conclusão de como os fatores da Caatinga podem influenciar.
“Portanto, a chance de sucesso é grande, devido aos estresses que a planta
sofre aqui e aos fatores que estimulam o vegetal a produzir alcaloides,
resultando em informações inéditas na literatura”, planeja. [ASCOM-Reitoria/UFRN]
Foto: Cícero Oliveira
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