Por Anchieta
Fernandes
As secas e
as cheias que, como uma espécie de fenômeno cíclico, ameaçam de terror e morte
tantos sertanejos nordestinos, desde anos bem recuados no calendário da
História do Brasil, passaram a ser vistas, sob os ângulos de notícia e de
opiniões por jornais norte-riograndenses. Isso desde quando a nossa imprensa se
afirmou como um dos meios de comunicação do nosso povo. Veja-se alguns dos
flashes desse testemunho impresso ante os fenômenos climáticos que afetam os
habitantes do Nordeste.
Inicialmente,
nos primeiros meses de cada ano, alguns jornais, diante da ainda indefinida
situação climática, apelavam para um tom agourento: de que o ano não
prenunciava ser de bom inverno. Foi o que fez o jornal “O Povo”, de Caicó, que
a 16 de março de 1889, publicou: “As notícias que temos do Ceará não são
satisfatórias. Do Ipu a 15 de fevereiro, de Pedra Branca a 12, e do Icó a 15
temos notícias de chuvas poucas, em algumas partes só havendo rama. Entre nós o
desânimo já vai grande.” A 23 de março, o jornal já retratava o pleno quadro da
seca:
“De quinze
dias a esta data têm passado nesta cidade muitas famílias de retirantes de
Catolé e Imperatriz (quase todas), procurando os brejos e o litoral, para
escaparem da horrorosa seca que nos anda a esmorecer.” Na mesma data, o jornal
publicou um ofício, datado de 15 de março, de Olegário Gonçalves de Medeiros,
fundador do jornal e então Presidente da Câmara Municipal da Vila do Príncipe
(Caicó), expondo ao Presidente da Província, que era o Dr. José Marcelino Rosa
e Silva, a situação, e sugerindo medidas para a solução do problema.
No século
seguinte, a partir da primeira década, o jornal “O Mossoroense”, de Mossoró, se
fez a testemunha fiel, noticiando a chegada da seca, descrevendo cenas
dolorosas do que atingia a população faminta, fazendo apelos de medidas
urgentes às autoridades. Através de editoriais de capa (“As vítimas da seca dos
sertões”, a 24/04/1904; “Seca nos sertões do Rio Grande do Norte”, a
24/05/1904), de alguns artigos de título alarmista (“Leva de retirantes”,
“Sobre a seca”) e de colunas (“Seca e socorros”, o jornal fundado por Jeremias
da Rocha Nogueira foi História.
O jornal
oficial, “A República”, sempre publicou matérias dedicadas a divulgar e a
debater solução quanto aos problemas da seca. Inclusive, a partir de 26 de
junho de 1915, através da coluna “Serviço do interior”, manteve o leitor
informado quanto ao que o jornal denominava “auxílio aos flagelados”. Por essa
época, já existindo um órgão federal de combate aos efeitos das secas, que
inicialmente teve o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas, o jornal
fundado por Pedro Velho divulgava a sua ação.
Em dezembro
de 1945, a Inspetoria foi transformada em departamento (DNOCS – Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas), que continuou o trabalho anterior, sempre
procurando agir visando encontrar um meio de, se não acabar pelo menos minorar
os efeitos das secas. Mas trabalhos assim, às vezes por falta de uma melhor
estruturação, se apresentam com falhas. Em 08 de abril de 1953, o jornal “A
Ordem” chegou a definir como “atitude criminosa” o DNOCS ter retardado o
aproveitamento de flagelados.
Muitas
soluções foram pensadas pelas comissões do DNOCS, para se resolver este
problema das secas: construção de poços e açudes, aproveitamento do leito
natural dos rios como canais, irrigação técnica etc. Inclusive, uma investida
quase na ficção científica: já em 22 de setembro de 1900, uma matéria no jornal
“A República” falava em “chuva artificial”; coisa que seria concretizada mais
de 50 anos depois, como o jornal “A Ordem”, de 12 de junho de 1951, noticiou:
“Chuvas artificiais no sertão; experiências dos cientistas, primeiros
resultados”.
Mas, chover
sobre a região nem sempre é a melhor solução. Os arquivos dos jornais estão aí
para reviverem notícias de tragédias provocadas por chuvas excessivas, que se
derramam inundando cidades e campos, trazendo então prejuízos ao bioma. O mesmo
jornal “O Povo”, de Caicó, noticia, a 08 de junho de 1889, chuvas caídas na
cidade “...em condições de fazer transbordar os rios, e encher alguns açudes”,
sem trazer benefícios, “porque destruíram todas as vazantes, agravando ainda
mais os sofrimentos da população”.
A isoieta
das chuvas no Nordeste, por vezes assusta tanto quanto as tragédias do brilho
inclemente do sol no Polígono das Secas. Como disse certa vez Manoel Rodrigues
de Melo, a cheia é a sucessora do dilúvio, destruindo povoações como fez à
povoação de Oficinas, na Várzea do Açu, em 1924, e à de Rosário, em 1947,
também na Várzea do Açu, a 15 de abril. A 15 de abril de 1964, o “Diário de
Natal” informava: “Na cidade de Ipanguaçu ruíram nada menos que 39 casas. O
leito do Rio Açu faltou apenas vinte centímetros para atingir o nível da cheia
de 1924, que foi a maior”.
Relendo-se
(e também revendo-se, pois o material produzido pelos repórteres fotográficos,
que acompanham os repórteres redatores, é tão importante quanto os textos, do
ponto de vista da informação noticiosa) as páginas de jornais do passado,
pode-se constatar quanto alguns municípios sofreram o castigo climático. A 07
de abril de 1937, o jornal “A Ordem” reportava-se ainda às inundações de
Ceará-Mirim, detalhando as “conseqüências danosas”. Precisamente 10 anos
depois, a situação se repete. É o Rio Açu deixando um rastro de tristezas.
Segundo o
jornal “A Ordem”, de 07 de abril de 1947, foi de quatro mil o número de vítimas
da referida cheia do Rio Açu. Mossoró também não escapou deste fenômeno
destrutivo das enchentes. Em 1950, sofreu o “flagelo das inundações”, com
“danos consideráveis”, conforme a reportagem no jornal “O Mossoroense”, de 30
de abril de 1950. Por sua vez, o jornal “A República”, de 10 de julho de 1974,
dizia que Macaíba havia sofrido a maior cheia de sua história. 1980 e 1981
também foram anos de enchentes, de grandes prejuízos.
Em 1981, as
cidades de Afonso Bezerra e Pedro Avelino ficaram ilhadas (v. “Tribuna do
Norte”, de 28 de março de 1981). E as enchentes levaram pânico à cidade de São
Gonçalo do Amarante (v. “Tribuna do Norte”, de 02 de abril de 1981). No século
21, os jornais registraram coisas como a prefeitura de Governador Dix-Sept
Rosado providenciando canoas e coletes salva-vidas, para as pessoas poderem
enfrentar a fúria das águas inundando as comunidades ribeirinhas do Rio
Apodi/Mossoró (v. “Correio da Tarde”, de 29 de abril de 2009).
O que não
deve faltar ao nordestino é a consciência de que o fenômeno climático da seca é
uma constante regional, não se devendo confiar em que algumas chuvas caídas
durante alguns dias signifiquem sucesso assegurado à lavoura e à sobrevivência
econômica. As chuvas podem vir, se avolumarem em enchentes, e depois irem
embora deixando destruição. Em uma série de artigos publicados no “Diário do
Natal” a partir de 22 de agosto de 1907, Felipe Guerra fala sobre chuvas de
enchente no Brejo do Apodi, em 1901; faltaram, porém, no tempo necessário para
segurar as plantações.
Foto reproduzida de acervo da enchente de
1924,
em Caicó, de autoria do fotógrafo Zé Ezelino
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