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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Estudos sobre língua de sinais revelam que a capacidade de conhecimento é a igual para todos

A relação de cada indivíduo com o mundo e a representação que fazemos a respeito do que nos cerca depende de fatores como os sentidos do corpo humano. Sua ausência ou intensidade modifica a maneira de interpretar a realidade e lidar com o próximo. As pessoas que não escutam intensificam a importância da visão e, mediante adaptações comunicativas, transferem a ação da fala para as mãos, que se tornam protagonistas de uma língua capaz de abrir horizontes até então perdidos no silêncio.

Esse modo de comunicação por sinais tem origem remota e foi aprimorado de acordo com o desenvolvimento da humanidade. Existem mais de 200 línguas de sinais espalhadas pelo globo terrestre, que variam entre países em virtude das influências e diversidades culturais. Entre elas está a Língua Brasileira de Sinais (Libras), utilizada como primeira língua da comunidade surda do país. Portanto, assim como não é uma língua universal, a Libras tampouco representa o “português com as mãos”: trata-se de um sistema complexo de comunicação e construção, com particularidades e fenômenos linguísticos próprios, inseridos na modalidade espaçovisual.

Contudo, existem elementos comuns entre as línguas orais e gestuais, conforme explica a professora do Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Laralis Nunes de Sousa Oliveira. “A língua de sinais também possui níveis de análise, sotaque, gírias, diferença etária e regionalismos. Por exemplo, há sinais distintos para um mesmo referencial no Nordeste e no Sul do Brasil. Isso não impede a comunicação entre os surdos do país, mas são variáveis do dialeto”.

Por sua vez, as diferenças são maiores entre as línguas de sinais de um país para outro. O português de Brasil e Portugal, inclusive, não coincide na língua de sinais. “A Língua Gestual Portuguesa (LGP) deriva do tronco germânico da língua de sinais, enquanto a brasileira tem forte influência da Língua de Sinais Francesa (LSF)”, detalha Laralis Oliveira. A Libras surgiu na primeira escola para surdos do Brasil, fundada em 1857, a partir da miscigenação entre os gestos já utilizados no Brasil e os trazidos pelos professores da língua francesa de sinais.

A primeira tese da UFRN com foco na Libras foi defendida no último dia 7 de dezembro pela aluna do doutorado em Estudos da Linguagem, Ivone Braga Albino. Sua pesquisa abordou a construção de sentidos na língua de sinais, com uma importante conclusão: a ausência de um dos sentidos tem repercussão apenas na forma de capturar o mundo. “A limitação que existe não impede as múltiplas possibilidades que o ser humano tem de interação com o ambiente. A diferença está apenas na modalidade da língua, fazendo com que o foco que o surdo dá ao mundo seja diferente”, salienta.

O reconhecimento da Libras como meio de comunicação e expressão das comunidades surdas ocorreu em 2002, com a Lei 10.436, de 24 de abril, que também determinou ao poder público em geral e empresas concessionárias a garantia de formas institucionalizadas para apoiar o uso e a difusão da Libras. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos no país 9,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva; destas, mais de duas milhões com situação severa – perda entre 70 e 90 decibéis (dB).

Desafios para realizar sonhos

Surda de nascença, Simone de Souza atualmente é professora do Departamento de Letras da UFRN e vice-coordenadora do curso de Letras Libras. Oriunda de uma geração cuja infância não contava com leis voltadas às pessoas com deficiência, em uma época em que o conhecimento da Libras era escasso, ela mesma só conheceu a língua de sinais aos 18 anos, quando encontrou uma amiga surda que havia estudado em Brasília. Antes disso, toda a educação era de forma oral e sem intérpretes dentro ou fora da sala de aula.

Na escola, Simone recebia auxílio de colegas de turma, que gestualmente explicavam o que se passava na sala de aula. Ainda assim, terminou a oitava série [nono ano] sem intérprete nem contato com outros surdos, concluindo o ensino médio concomitante ao magistério. “No estágio do magistério, conheci minha amiga Cledna Paiva, que me ensinou a Libras e me inseriu na comunidade surda. Nesse momento, encontrei o meu mundo e a minha língua materna”.

Em 2003, Simone de Souza iniciou a graduação em Pedagogia na Universidade Vale do Acaraú (UVA). Mais uma vez, sem intérprete em sala de aula, a persistente aluna solicitou apoio de uma amiga para desempenhar essa tarefa durante os três anos de curso. O ingresso em Letras Libras se deu em 2006, quando surgiu o primeiro curso a distância na área, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cujo pólo mais próximo era em Fortaleza. Após as duas formações, a professora foi aprovada no concurso da prefeitura do Natal para atuar na área de Libras.

Contudo, o ponto alto foi em 2014, com a aprovação no concurso para professora da UFRN. “Por incentivo da minha família, decidi tentar essa vaga para compartilhar na universidade as minhas experiências anteriores em sala de aula. Agora estou aqui em processo de aprendizado, pois ensinar alunos de ensino superior é bem diferente dos demais”, destaca a professora, que agora almeja cursar mestrado. “Na UFRN, temos a possibilidade de realizar uma prova acessível na pós-graduação. Essa opção foi inserida recentemente, com a tradução das perguntas para Libras e a aceitação das respostas dos surdos também por meio da língua de sinais. As portas da pós-graduação estão se abrindo para os surdos na UFRN”, comemora. Após a nova modalidade da seleção, dois alunos surdos foram aprovados em 2017 para cursar mestrado na instituição.

Acessibilidade e inserção social

A UFRN também dispõe de 13 servidores efetivos que são intérpretes de Libras, número positivo em relação a outras universidades, mas que deve aumentar em virtude da demanda pelo serviço. A necessidade desses profissionais deve ser ainda maior com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) acessível para surdos, já realizado em língua de sinais em 2017. Atualmente, existem 44 alunos surdos que usam língua de sinais na UFRN, todos na graduação em Letras Libras, por ser até então o único curso com processo seletivo diferenciado.

No entanto, o Enem acessível e a inserção das pessoas com deficiência na Lei de Cotas ampliam as oportunidades de ingresso da comunidade surda em outros cursos. “Quando o surdo precisava fazer a prova do Enem em língua portuguesa, era o mesmo que colocar um ouvinte para realizar a mesma seleção toda em inglês. O português não deve se configurar como fator de exclusão do surdo, mas algo a ser agregado à sua formação. Quando se garante a realização de seleções em Libras, é possível realmente avaliar o conhecimento do aluno a respeito dos temas solicitados”, defende Laralis Oliveira, coordenadora do curso de Letras Libras da UFRN.

A universidade tem se aberto a essas discussões, que acontecem em nível nacional entre as instituições de ensino superior para garantir mais abertura aos estudantes com deficiência. Nesse aspecto, a UFRN sai na frente ao favorecer o ingresso na graduação e na pós-graduação por meio das seleções em Libras, assim como a inserção da língua na Política de Linguística da instituição. De acordo com Laralis, o próximo passo é permitir que o português seja aceito na pós-graduação como segunda língua dos surdos, ao contrário da atual exigência de uma língua estrangeira – que nesse caso já consiste em um terceiro idioma para os surdos.

Fora dos muros da universidade, tarefas simples do dia a dia se tornam obstáculos em virtude do abismo que persiste entre surdos e ouvintes, pela ausência de intérpretes e o desconhecimento da Libras por grande parte da população. Um atendimento médico ou bancário, por exemplo, é desafiador e às vezes impossível caso não haja auxílio. “Eu sempre contrato um intérprete particular para ir comigo a determinados locais, mas nem todos têm condições financeiras e tentam se comunicar por escrito. A situação é bem complicada. A nossa sociedade ainda dá passos lentos no quesito acessibilidade”, declara Simone Queiroz.

O ensino de Libras básico é ofertado em instituições como o instituto Ágora da UFRN, que lançou o edital para o semestre 2018.1. Para acessá-lo, clique aqui ( link http://cchla.ufrn.br/novosite/wp-content/uploads/2017/12/Edital-2018.11.pdf). Outras informações podem ser obtidas pelo telefone 3342-2257 ou pelo e-mail institutoagora2015@gmail.com. [ASCOM – Reitoria/UFRN]

Confira a versão traduzida em Libras deste texto: https://www.youtube.com/watch?v=LNJ-5kgXRwI
Fotos: Cícero Oliveira - Ascom-Reitoria/UFRN
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