Por
João Bosco de Araújo*
Foto acervo caicoense Criva Coelho. Banda do CDS nos desfile cívico |
A parada do desfile de 7
de Setembro transcorrera como nos anos anteriores, mas o ano de 1969 fora
diferente porque foi nesse ano meu primeiro desfile formado pelos alunos do
então Ginásio Estadual Joaquim Apolinar (GEJA), também foi o derradeiro, diante
da ordem de dispensa nos anos seguintes. O fato é que encerrada a programação
cívico-militar, já passava do meio-dia, momento de apreciar o retorno das
pessoas que, tradicionalmente, se reuniam nas duas calçadas da Coronel
Martiniano, tendo como principal avenida do centro de Caicó.
O calor daquela manhã
nos convidava a amenizar o sol debaixo da sombra do pé de fícus da casa dos
meus avós maternos, colada na bodega de José Teófilo, esquina da avenida Rio
Branco com rua Augusto Monteiro, a dois quarteirões do local do desfile findo.
Por diversas vezes, três rapazes montados em cavalos de raça cruzavam a
esquina. Ainda carregavam as fitas que simbolizaram o grito dado pelo Príncipe Regente
Luso de “independência ou morte”, na beira do riacho.
Bem ali perto, estava o
Barra Nova, não o Ipiranga, e por alguns instantes ouviram-se o estampido, não
de liberdade, era de morte, e um corpo estendido no chão. O homem caído, já sem
vida, era Manoel Chicola, alvejado por disparos de balas dentro do
estabelecimento comercial de Zé Teófilo, das Oiticicas, efetuados
por “Cambitinha” (Francisco Medeiros Filho) e acobertado por outro
cavaleiro, bem no estilo das fitas de faroestes exibidas no São Francisco, cujo
cartaz e letreiros iluminados estampavam o filme da noite no cinema em frente
ao crime, na outra esquina.
Não fomos testemunhas do
ocorrido por questões estratégicas, suponho, do próprio autor do episódio, pelo
fato da presença do grupo de jovens debaixo da árvore, ou da saia da nossa avó
Luzia Tavares. Éramos, eu, minha irmã Sueli, o namorado dela, Antônio Nilson,
outras irmãs Salete e Sônia, meu irmão Gilberto, nossa vizinha Nevinha, sua
irmã Gracinha, filhas do comerciante José Leônidas e outras pessoas que não me
recordo mais. Foi apenas o tempo suficiente de sairmos do local.
Nossa residência, parede
e meia à casa de vó Luzia, estava a cerca de 10 metros dos disparos que
ecoaram rua afora, estendendo casa adentro, acompanhados de um silêncio
tenebroso, que após frações de segundos foi rompido pelas pisadas compassadas
fortemente sobre a calçada. Sutilmente, abro uma brecha da janela e vejo passar
fugindo em alta disparada “Andorinha” (Vivaldo Melo), ainda garoto, da nosso
idade, filho de Chico Melo, que morava do lado direito, perto do Serrote, mas
desnorteado correu no sentido oposto. Ele estava peruando dentro da bodega e o
zumbido das balas o martirizou por muito tempo, contava. Por pouco não foi
alvejado, dizia Teófilo, posto do outro lado do balcão a conversar com a
vítima.
Nesse ínterim, após
acompanhar pela fresta da janela o “velocista” Andorinha (depois, rapaz ele foi trabalhar nos Correios, vindo a
falecer de enfarte ainda moço) desloco o ângulo da vista para o outro lado
e vejo a cena do crime. Manoel Chicola inerte ao chão, no pé do poste, e seu
filho Mauricy a retirar, imediatamente, uma faca peixeira embainhada daquelas
de marchante, com mais de 12 polegadas de tamanho. Chicola era comerciante
desse ramo e tinha inimizade com o pai do homicida, Chico Medeiros, ex-prefeito
caicoense, por questões de politicagem, muito comum na época entre dinartistas,
de bandeira vermelha, e aluizistas, do lado verde.
Antes da execução, "Cambitinha"
deixara o cavalo amarrado em outro poste do lado da Rio Branco. Em frente
ficavam os armazéns de Manoel Chicola, de vendas de peixes e casa de jogos.
Chico Cunha, rapaz solteirão, experiente, leitor assíduo de livros de bolso,
salvou a vida de Mauricy. Segundo contava, ao ouvirem os disparos, o filho de
Manoel correu em direção à porta fechada, barrado por Cunha, que o empurrou com
os pés, fazendo-o cair ao chão, bem ao estilo dos mocinhos do filme,
acreditava.
Ora, ao abrirem a porta,
viram a dupla de cavalos em disparada, na direção do rio Barra Nova e o
atirador a girar o revólver entre os dedos da sua mão, narravam. Pode-se
imaginar a fidelidade cinematográfica e entender que se Chico Cunha não
travasse àquela porta, o alvo das balas também teria acertado o filho do morto
ao procurar defender o pai tombado.
O local do crime ficou
visitado por muito tempo, para matar a curiosidade de quem queria ver de perto
os buracos das balas e o sangue na parede impresso pelas mãos do baleado, ao
tentar se segurar do impacto que o empurrou, cambaleando até o chão da rua.
Cenas de uma Caicó
violenta, de um 7 de Setembro que parou há 40 anos. Do outro lado da história,
jovens caicoenses tombaram mortos, mas por ideários de independência, alvejados
pela intolerância imposta pelo medo do imperialismo internacional, sob a
custódia do regime de plantão.
*Texto publicado anteriormente,
nos 40 anos do fato ocorrido.
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