Por
João Bosco de Araújo*
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Foto pesquisa Google/divulgação |
Sentada em seu trono, lá está
Senhora doce e clemente Sant’Ana, mãe da graça e do perdão. Aos seus pés, lá
estava meu pai, Pedro Salviano de Araújo, a beijar a Santa naquele domingo à
tarde, último dia da festa e hora da procissão. O interior da igreja lotado de
peregrinos e devotos aguardando enquanto não chegava o momento da imagem sair em procissão.
Todos os anos, o beijo na
santa, a urna no chão, a mão no bolso, a quantia depositada, nunca revelada,
seus segredos guardados. Eu, pequeno a lhe admirar tão grande na fé a nos
ensinar. Todos os dias a se perpetuar. Minha avó materna Luzia Tavares após ficar
velhinha já não podia ir à igreja, mas sempre depositava no genro o valor do
beijo da Santa, creditando confiança na tradição.
Fora da Catedral, todos a
cantar: Salve, Sant’Ana gloriosa, Nosso
amparo e nossa luz/ Salve, Sant’Ana ditosa, Terno afeto de Jesus/, e todos
a repetir num coro de vozes, e lá estava ele, cabelos brancos, com muitas
outras mãos a segurar o andor coberto de flores e uma multidão coberta de fé,
enchendo as ruas de minha cidade por onde ia passando. Ao longo das avenidas, a
imagem gloriosa deslizava sobre as pessoas a suplicar não nos desampare, não
nos abandone!
Meu pai repetiu essa tradição
por toda a sua vida e ao findar do dia da festa ele retornava ao seu lugar. Foi
lá aonde aprendera com sua mãe Virgínia a praticar o ofício da oração. Minha vó
Gina, por sua vez, herdou tamanha fé de sua avó Aninha do Umbuzeiro. Gina de
Salviano (Salviano, meu avô) enchia sua casa de devotos para rezar o Terço.
Eram pessoas vindas das redondezas, montadas em burros e cavalos, ou mesmo a
pé, na esperança de encontrar na fé uma resposta para o conforto da alma e da
vida difícil do sertanejo sofrido, sem os olhos dos poderes constituídos, a não
ser do poder que poderia vir dos céus.
Reza a lenda sertaneja que a fé
de um vaqueiro atacado por um touro bravo em plena caatinga fez ele acreditar
que se salvo fosse da fúria daquele animal, construiria uma capela em devoção à
Senhora Sant’Ana, hoje a Catedral de Sant’Ana, Padroeira de Caicó, cuja festa
data desde meados do século 18, hoje com 260 anos.
Mas a devoção a Sant’Ana
espalhou-se e passeou a ser considerada a padroeira do povo seridoense, embora
essa fé seja do sertanejo nordestino que adotou em sua fala o nome Sant’Ana
para designar o mês de julho. Em território potiguar, como padroeira, a avô de
Jesus é homenageada no Seridó em quatro municípios, Caicó, Currais Novos,
Santana do Matos e Santana do Seridó; no Oeste, em Campo Grande e Luis Gomes,
além das cidades de São José de Mipibu e Passagem, no Agreste, e em duas
localidades de Natal, na Zona Norte, no conjunto Soledade II e na Zona Sul, no
bairro de Capim Macio.
Um fato importante me contado
pelo professor Galvão Celestino, que há cinqüenta anos era o vigário da
Catedral, segundo o qual na época foi decidido mudar o final da festa dos
caicoenses, que passou desde então a ter data móvel. Enquanto nas outras
paróquias a festa se encerra em 26 de julho, dia da santa, em Caicó acontece no
último final de semana do mês, possibilitando a cidade receber mais visitantes.
Este ano, coincidentemente, a diferença será de apenas um dia, ou seja, o
período será praticamente o mesmo dos outros municípios. Importante, ainda, é o
fato do povo católico carregar consigo a fervorosa fé em Sant’Ana.
*Texto originalmente publicado no
Diário de Natal em julho de 2008.
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