O Casamento de Felizia
Autor: Sidney Caicó*
Parte 1
Uma princesa de nome Felizia resolve casar-se.
Ela falou para o Rei Tempus, do Reino da Philia, seu pai, que lhe ajudasse para
encontrar um nobre pretendente. - Vou ajudá-la minha filha. Mas, aguarde um
tempo para que possa descobrir qual entre os pretendentes será realmente o seu
marido. Tenho vários amigos e aliados e todos buscam casar-se com você.
Após alguns dias o rei decreta que a princesa
vai casar e que o pretendente tem uma prova para cumprir antes da festa de
casamento.
- O marido da minha filha será o homem que
trouxer o tecido que vai ser utilizado para confecção do vestido da noiva. Uma
seda rara, cultivada e encontrada no oriente, nas terras distantes, após o
grande deserto.
Nos dias seguintes muitos foram os pretendentes
que trouxeram os tecidos vindos de todas as partes do mundo. Cada tecido
acompanhado com muitos outros presentes e tesouros.
- Diga-me meu filho... Como conseguiu encontrar
tecido tão majestoso, pode contar sua história?
Todos contaram seus feitos heroicos. Relatam os
perigos que sofrem para chegar às terras do extremo oriente e adquirir o tão
famoso tecido.
- Papai como isso é possível? Nem um
pretendente passou no teste. Por qual motivo dificultas tanto?
- Pisei com meus próprios pés nas terras do
extremo oriente. Após fazer a travessia do grande deserto aprendi muitas
coisas, por isso tenho a experiência para lhe orientar e te digo: esses homens
nunca estiveram lá. Todos os tecidos são belos, mas existe um que é especial.
Todas as histórias são bonitas de ouvir, mas algumas dão sentidos a vida. Esses
homens mesmo com seus atos de bravuras deixaram de apresentar a verdade e o
verdadeiro tecido.
- Ainda existe alguém que possa atravessar o
deserto, meu pai?
- Sim! Veja estão bem ali. E aponta na direção
dos homens que preparam suas montarias.
A princesa reanimou sua esperança e com um
profundo suspiro pergunta:
- Quem são esses três homens?
- E esse na grande carruagem? Tantas carroças e
mantimentos? Está preparado para enfrentar um longo inverno, por acaso?
- Esse é Fennecus. O maior negociante do reino.
Muito rico e muito esperto nos negócios. Através dele compramos, trocamos e
vendemos. Realizamos bons negócios mutuamente.
- O que faz o jovem rapaz montado no
jumentinho? Vai ele fazer a longa viajem montado nesse pobre animal? Sorri a
princesa, vendo que tem dificuldade de colocar os arreios no animal, a doma
parece ser difícil, mas com sútil olhar deixa transparecer sua admiração por
tamanha atitude.
- Esse é Solon. Vive do trabalho da terra, é
dele que conseguimos os melhores alimentos. Também vai caminhar em direção ao
oriente. Um simples camponês, mas que também tem sua chance de caminhar pelo
grande deserto, assim como os demais. Maravilhosa competição! Vejamos quem
consegue trazer o mais belo tecido para mais bela dama. Continua entusiasmado o
rei. E seu olhar se enche de ternura ao olhar para sua filha.
O rei passa as orientações para todos e avisa
que devem entrar no deserto pelas terras do pastor de ovelhas. Ele e sua
família guardam, secretamente, um oásis, rico com sua exuberante floresta e
onde está localizada uma nascente do rio aos pés da grande montanha do oásis
das águas tranquilas.
- Vocês irão precisar reabastecer seu estoque
com água para completar a travessia. Falem com o pastor de ovelhas chamado
Delfus.
- Todos sabem, pois ouvem falar das aventuras
que muitos dizem passar quando estão diante da intempérie do grande mar de
areia. Conclui o rei Tempus, avistando ao longe a grande tempestade de areia,
bem no horizonte.
Parte 2
A Casa de Delfus
Rapidus após uma longa marcha chega durante um
final de manhã com seu exército nos portões da casa de Delfus.
- Sejam bem-vindos, nobres viajantes. Faz muito
tempo que poucos resolvem passar por aqui. Irão atravessar o deserto?
- Bem melhor que entre, coma e pernoite aqui.
Vamos prosear um pouco para que possamos ouvir nossas histórias e apresentarmos
os lugares por onde andamos. Quais as novidades?
Entusiasmado, apressa seus servos para que
sirvam água e hospitalidade para os viajantes.
- Nada disso Delfus! Temos muito a percorrer.
Fale homem! Como podemos chegar ao oásis. Em tom grosseiro adianta um passo na
direção do portão. Todos ao mesmo tempo esporam seus animais e os cascos fazem
estremecer o chão.
- Delfus entende que o forasteiro está com presa e que também fará de tudo para conseguir o que quer.
- - Saiba que durante a noite o oásis é cercado por feras que vagueiam em busca das almas perdidas. Deves pernoitar para chegar cedo ao oásis com segurança.
- Tenho sob meu comando os mais valentes homens
do nosso reino. Sou conhecido por minhas conquistas e a coragem está conosco.
Muitas são as minhas vitórias nas grandes contendas. O que temerei? Temos a
vantagem das armas de guerras mais modernas e já fabricadas por nossos
cientistas. Nesse momento aponta seu rifle na direção do anfitrião.
- Rapidus, como posso lhe ajudar? Sem que me
force a isso! Entenda. Sigam por este caminho até chegar ao meu irmão Agan.
Está pastoreando as ovelhas para que logo cedo bebam no poço.
Assim, de forma tranquila Delfus acena para que
um dos seus conduza-os até o início da planície desértica.
Parte 3
O Poço de Agan
- A noite é longa para todos que se aventuram pela planície durante a noite. As feras ecoam por todas as partes. O frio gélido do deserto chega com os pequenos fragmentos de areia que cortam o rosto.
- Você é o irmão de Delfus, rapaz? Onde está o
poço com águas mais limpas para que possamos beber?
- Sim! Sou eu. Delfus deve ter lhe falado para
que pernoitasse e viesse ao clarear do dia. Vejo que perdeu parte do seu
exército para as feras da noite. Agan ver que os cavaleiros ainda estão
sangrando e vários cavalos estressados relincham sem parar apenas com suas
selas vazias.
- Deixe-nos passar! Pegaremos a água antes que
seu rebanho a suje. Rapidus açoita seu cavalo sobre Agan rompendo passagem por
entre seu rebanho.
- - Espere! Aguarde um pouco mais! A geleira da montanha derrete e o rio enche o poço novamente. Ainda está pela metade. Agan nessa hora aponta para que observem a grande montanha. Mas, por estarem cansados e sob o comando de Rapidus, têm atenção voltada para o poço.
- - Chega de conversa! Homens encham tudo que possam carregar. Vamos logo com isso!
- Rapitus retorna pelo mesmo caminho para, na próxima encruzilhada, seguir viagem para o oriente.
- Na passagem da escarpa durante a luz do dia viu os restos mortais de seus guerreiros sendo ainda devorados pelas feras do deserto.
Parte 4
O Caminho mais fácil
- Quem vem aí? Grita novamente a sentinela do
portão principal da casa de Delfus.
- - Sou do reino da Philia, lugar ao leste daqui. Meu nome é Fennecus. Esta é a casa de Delfus para que possamos negociar água em troca de minhas melhores mercadorias?
- Entre logo Fennecus. Sou Delfus e na minha
casa tem muitos aposentos. Bem melhor que entre, coma e pernoite aqui. Vamos
prosear um pouco para que possamos ouvir nossas histórias e apresentarmos os
lugares por onde andamos. Quais as novidades? Entusiasmado apressa seus servos
para que sirvam água e hospitalidade para os viajantes.
- Agradeço pela hospitalidade bom homem, mas
tenho que partir e repousar mais adiante. Descansaremos ao amanhecer do dia no
oásis. Mas, diga-me, Delfos, quanto tem no seu estoque para que possamos
negociar suas águas? Claro que será um bom negócio!
- Enquanto apresenta o que tem em suas carroças para vender, tenta Fennecus com suas ofertas persuadir Delfus, a fim de levar sua água sem precisar ir ao oásis. Fazendo assim, pensa que ganhará tempo para chegar logo na outra extremidade do deserto e alcance logo o lugar onde vai encontrar o tecido que lhe deixará mais rico e com grande poder.
- - Tenho o suficiente para os próximos dias. A água já está racionada. Você terá que pegar a sua no poço de Agan. Delfus ergue o seu cajado na direção do caminho que Fennecus deve seguir.
- Rapidus, que bom vê-lo por aqui, meu velho
amigo! Pelo que percebo já traz sua cota de água para travessia. Mas, parece
que a água custa muito mais do que pensamos por essas partes.
Pagou um preço mais alto. Perdeu metade de seus
homens. Ainda vai precisar ir e voltar em segurança. Sabem por experiências o
que podem encontrar na frente? Fennecus olha dentro dos olhos de cada um quando
manifesta as lembranças da noite anterior.
- Longe está minha satisfação em nos
encontrarmos. Em outra ocasião conversaremos mais.
Dessa forma Rapidus continua caminhando em
sentido oposto ao de Fennecus.
- - Espere! Posso lhe propor... Posso fazer uma proposta? Será boa para você e melhor para meus negócios. Ao saber da existência dos tecidos do oriente o que me interessa são as grandes possibilidades para que eu possa lucrar mais.
- Fale! O que tens a oferecer? Sem olhar para
trás retruca Rapidus.
- Tenho água suficiente para a primeira parte
do deserto e metade para segunda. Sei que você tem água suficiente para
percorrer as duas partes e ainda vai lhe sobrar. Então, aceite o que vou lhe
propor: quero parte de sua água para completar minha jornada e retornar com
minhas carroças cheias de tecidos e tudo que puder negociar.
- E o que ganho por isso? Pergunta já
aborrecido Rapidus e dá o sinal para que seus homens matem Fennecus.
- Acalme-se Rapidus! Vou te oferecer ajuda e
pactuar em defesa do seu reinado. Unidos temos mais homens armados para
atravessar o deserto com maior segurança. Na volta ficam todos ao seu comando
quando assim precisar.
- - Tenho armas e homens suficientes. Uma dúzia ou mais pouca diferença faz! Rapidus também é habilidoso estrategista e manda sua cartada.
- - Felizia é uma bela mulher! Mas, posso ter muitas em minhas várias viagens. Prefiro ser dominante para conquistar todas as mulheres do que ser conquistado e dominado por uma única mulher. Sorrir Fennecus e segue com suas astúcias.
- - Decida logo! Você sabe o que bem quero. Fennecus apressa em tomar a decisão. Sabe ele que a resposta errada pode lhe custar.
- Também deixo de competir por Felizia. Poder e
glória me bastam!
Unidos agora seguem Rapidus e Fennecus.
Parte 5
O Retorno
- Oh de casa! oh de casa! Enquanto espera que
alguém te ouça para abrir o portão, Solon resolve dar descanso para sua
montaria. O pequeno jumento já murcha e transpira as grandes orelhas.
- Entre meu jovem! Já sei que vai fazer a mesma
coisa dos demais que antes passaram por aqui.
- Você quer atravessar o deserto?
- Preciso, para casar-me com a mulher mais
linda do mundo!
- Felizia! É o nome dela! Mora no reino da
Philia. Que coisa maior pode um homem desejar quando encontra o amor da sua
vida? Vou atravessar o deserto para tê-la comigo.
- Bem melhor que entre, coma e pernoite aqui.
Vamos prosear um pouco para que possamos ouvir nossas histórias e apresentarmos
os lugares por onde andamos. Quais as novidades?
Entusiasmado, apressa seus servos para que
sirvam água e hospitalidade para os viajantes.
- - Já estou descansado meu velho. Meu jumentinho está um tanto cansado, mas eu estou com bastante vontade de subir a montanha e usar essas energias. Bastante exibido, mostra os músculos erguendo os braços.
- Bem natural que tenha se comportado assim!
Lembro-me das várias formas que fazia tudo ao mesmo tempo quando o sol
caminhava nas vésperas do meio-dia. O ímpeto é o lema dos jovens. Contudo,
poucas pessoas sabem os caminhos que devem seguir para melhor ouvir os
primeiros cantos dos pássaros ao nascer do dia. Chegando a noite quem sentiria
medo? Tudo fica mais claro. Mas...
- Entre meu rapaz. Delfus fala tudo isso
sorrindo.
- Vou seguir minha viagem. Pode dizer por onde
posso ir até o poço do oásis mais próximo, meu senhor?
- Saiba que durante a noite o oásis é cercado
por feras que vagueiam em busca das almas perdidas. Deves pernoitar para chegar
cedo ao oásis com segurança.
- - Tenho coragem de sobra! Acamparei mais na frente ao anoitecer. Agora que meu jumento comeu e bebeu água pode ir comigo a diante. Pela manhã já estaremos no oásis. Enquanto falava chicoteava seu jumentinho que empancado evita sair do lugar.
Solon chega à encruzilhada que leva ao poço e
percebe que tem um longo caminho a percorrer. O sol desaparece por trás da
grande mancha branca que cobre o topo da montanha. Os primeiros uivos começam
ser ouvidos cada vez mais próximos e o jumento de Solon trava no lugar e só
anda em sentido contrário ao que parece fazer seu dono.
O animal se estica do outro lado da corda e
força sua volta arrastando as quatro patas. Solon entra na batalha do cabo de
guerra contra seu jumento. O jumento pega a oportunidade e consegue sair do
laço do cabresto em volta das orelhas que facilitam a passagem por estarem
suadas.
- Para seu miserável! Covarde! Grita Solon
correndo atrás do jumento que sai em disparada. Volta pelo caminho que os
trazem à casa de Delfus.
- - Chegaram meus amigos! O homem tem essa capacidade de pensar melhor. Pode rever o caminho e fazer o retorno. Deixe que cuidemos de seu animal. Venha Solon! Vamos jantar e prosear agora.
- Acho que tenho que admitir: realmente deveria
ter pensado melhor. A planície do deserto fica muito escura e o frio chega tão
rápido quanto a despedida da luz do dia. Posso enfrentar essa noite outra hora.
Hoje vamos aceitar sua hospitalidade e podemos iniciar a prosa. Muito obrigado
Delfus.
Durante as horas que antecedem a meia-noite,
Solon e Delfus contaram suas histórias e estórias, trocaram informações sobre
suas experiências de vida, aprenderam algo novo com a gentileza da prosa. Um
ouviu o outro de forma respeitosa e atentamente; até o silêncio se faz
necessário.z
Parte 6
A Nascente do Rio
- Bom dia! Qual seu nome rapaz? Sou Solon de
Philia, um reino mais ao leste daqui.
- Escute nobre cavaleiro... Espere um pouco
para que possa pegar água e dar de beber ao seu animal. A água em poucos
minutos descerá do topo dessa bela montanha. Olhe! Sabe comtemplar?
- Sim! Vejo o branco da neve em seu mais alto
topo encoberto pelas nuvens. Podem os deuses fazer sua morada lá?
- Calma! Apressa-te em derreter a montanha
antes mesmo de conhecê-la. Contemplação exige ir além das montanhas que seus
olhos podem ver. Vai além! Ir onde poucos foram é um beneplácito com gratidão.
- - Vejo apenas o topo! É muito alto para chegar lá. O que posso mais ver além das nuvens? Lá só existe o vazio.
- Sim! Existe algo lá. É possível chegar sobre
seu jumento. Os risos logo ecoam pelas estepes.
Agan compreende a dificuldade do rapaz em
decifrar o que está velado em sua prosa.
- Enquanto conversam, o cume da geleira derrete e desce caudaloso enchendo o leito do rio. Às margens, vários são os animais que buscam espaços entre as manadas para beberem das águas límpidas e cintilantes. O sol brilha forte para todos, mas faz refletir no espelho as imagens distorcidas pelos ventos.
- Obrigado Agan! Voltarei outro dia para que
possamos prosear um pouco mais.
Segue Solon sua jornada. Após arrumar sua
bagagem consegue ver os rastros por onde outros passaram. Pensa na estrada que
vai ainda percorrer e qual o grau de dificuldades encontrará pelo caminho que o
levará ao deserto.
Parte 7
A Travessia do Deserto
Contornou a montanha pelos vales das pedras que
estão postas em lugares firmes no mar de areia movediça.
Conseguiu matar as feras mais mortais do
deserto por antecipar suas táticas de caças, agora aprimoradas pelos
ensinamentos de Delfus.
Passou nos caminhos tortuosos que beiram o
abismo da montanha. Venceu o calor, venceu o frio e as tempestades de areias,
venceu a solidão.
Soube racionalizar a quantidade de água para
que alimentasse seu jumentinho. E soube manter a calma para poupar energias.
Fez tudo quanto pode para seguir os
ensinamentos do velho sábio Delfus.
- O que será que provocou suas mortes? Saiu
pensando.
Bem adiante avista, porém, muito distante as
primeiras imagens do que parece ser uma grande muralha.
- Por fim, cheguei! Grita, rir e chora de
alegria correndo a galope sobre seu jumentinho.
Solon vence a competição. Consegue o
consentimento do rei Tempus para casar-se com Felizia, a bela princesa de
Philia.
- O que mais queres que eu diga? Sim! O que
aconteceu com Rapidus e Fennecus?
- Lembra da espera no poço de Agan? Sim! A falta
de paciência tornou-se seu fracasso. Todos morreram por beber das águas
contaminadas do poço.
A prosa na casa de Delfus serve, aos viajantes,
como um salvo-conduto.
*Sidney Caicó é escritor, cronista,
autor do livro O Tesouro de Sant'Ana.
Imagem reproduzida
da internet/divulgação
0 comentários:
Postar um comentário