Por Miranda
Sá*
“O povo toma pileques de ilusão com futebol
e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho”. (Carlos Drummond de
Andrade)
Acho que foi
o diabo quem inventou essa história do “politicamente correto”. No carnaval é
que se vê que esta barbaridade está na contramão da alegre confraternização
social. Lembrando que é a inversão de valores que domina os temas
carnavalescos.
Essa
desgraça que se abateu sobre o mundo é a razão do fim das marchinhas políticas,
caricaturais, denunciantes e de protesto. Na minha juventude cantei e gravei
marchinhas do desabafo popular, começando por “DAQUI NÃO SAIO” de Paquito e
Romeu Gentil.
Lembrando a
agonia de despejo forçado pela modernização urbana do Rio de Janeiro, cantamos
“Daqui ninguém me tira/ Onde é que eu vou morar/ O senhor tem paciência de
esperar/ Inda mais com quatro filhos/ Onde é que vou parar? ”
Os protestos
da época induziram uma nostalgia pelo governo de Getúlio Vargas e os
compositores Haroldo Lobo e Marino Pinto “estouraram” no carnaval de 50 com
“RETRATO DO VELHO” fazendo o povo cantar: “Bota o retrato do velho, outra vez/
Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho/ Faz a gente trabalhar”.
Eleito
Getúlio, o Rio de Janeiro sem autonomia política, sofria problemas estruturais,
o que levou Vitor Simon e Fernando Martins a comporem “VAGALUME”, o protesto
uníssono dos cariocas: “Rio de Janeiro/ Cidade que nos seduz/ De dia falta
água/ De noite falta luz.” Sobre o mesmo tema, apareceu em 1954 “TOMARA QUE
CHOVA”, de Romeu Gentil e Paquito: Tomara que chova/ Três dias sem parar (bis)/ A minha grande
mágoa/ É lá em casa não ter água/ E eu preciso me lavar”…
Na minha
velha cabeça sempre achei que as marchinhas traduziam o contentamento coletivo
do reinado de Momo… E são insuperáveis. Há pelo menos umas 100 que se tornaram
clássicas, e hoje mais fortes do que nunca pela bestialidade das proibições.
A mais
antiga, e ainda cantada, é a “ABRE ALAS” da inolvidável Chiquinha Gonzaga. E
vieram depois com a força da tempestade “LINDA MORENA” (Lamartine Babo),
PIERROT APAIXONADO (Noel Rosa e Heitor dos Prazeres) e “MAMÃE EU QUERO”
(Jararaca e Vicente Paiva)
Me perdoem
os “politiqueiros corretos” que não passam de uma tomografia computadorizada da
imbecilidade reinante entre os que se autodenominam de “vanguarda”. Adoro “O
TEU CABELO NÃO NEGA”, de Lamartine Babo; a MULATA É A TAL” (Braguinha-Antônio
Almeida) e “NEGA MALUCA” (Fernando Lobo-Evaldo Rui). Procuro e não acho racismo
nas letras destas canções.
Tampouco
encontro misoginia e preconceitos em “ALLAH-LÁ-Ô” (Haroldo Lobo-Nássara),
“AURORA” (Joel e Gaúcho), “NÓS OS CARECAS”, “MARA ESCANDALOSA”, “SASSARICANDO”,
“BALZAQUEANA”, (Wilson Batista) e “CABELEIRA DO ZEZÉ”.
Ainda
lembrando os protestos, tivemos “PRAÇA ONZE”, “ZÉ MARMITA”, “ACENDE A VELA”,
“TOMARA QUE CHOVA”. Mas quando o romantismo aflorava, entoávamos “TAÍ” (Joubert
de Carvalho) e “QUEM SABE, SABE” (Jota Sandoval-Carvalhinho).
Sob o
domínio da alegria pura, dançávamos com a CHIQUITA BACANA” (Haroldo Lobo e
David Nasser), “TOURADAS EM MADRI” e “YES, NÓS TEMOS BANANA” (Braguinha e
Alberto Ribeiro). “SACA-ROLHA” (Zé da Zilda, Zilda do Zé e Waldir Machado, “ME
DÁ UM DINHEIRO AÍ” (Ivan, Homero e Glauco Ferreira) e “CACHAÇA”(Mirabeau
Pinheiro-Lúcio de Castro-Heber Lobato).
Dito isto,
vê-se que abomino o “politicamente correto”, que não passa de uma “PIADA DE
SALÃO” (Klecius Caldas e Armando) …
Imagem pesquisa Google/divulgação
*Com postagem na página do Jornal Zona Sul
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