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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Artigo faz recorte de uma Caicó de saudades

Carta da saudade

Por Fernando Antonio Bezerra*

Senhores Editores Roberto e Clóvis,
Esta semana as ocupações da profissão e da vida me afastaram das leituras do passado. Vou falhar com o artigo semanal. Confesso-lhes que sinto falta. É meu exercício de fé no Seridó que a gente ama. Resolvi, então, escrever-lhes, tratando um pouco da saudade e, parcialmente, de um recorte temporal do Caicó de todos nós

Revirando o baú das lembranças percebi que o Caicó do meu tempo, um pouco também do mesmo período de vocês, já mudou um tanto mais que gostaria... O tempo está correndo e a saudade não me permite acompanhá-lo. Fico preso a fatos, pessoas e cenários que fizeram parte de um tempo que não volta mais... Imagino quem está mais adiante, perdendo amigos e familiares, não tendo mais a quem recorrer para pedir a benção ou a quem temer uma lição de moral. A natureza perfeita, invenção inigualável do Criador, bem que poderia segurar um pouco mais a idade de quem estimamos ou fazer o tempo mais lento para quem é bom e justo. Mas, o reclamo é da matéria. O espírito vive na lembrança de quem fica e no horizonte que a fé nos faz enxergar. Cada um tem sua crença e por ela deve ser respeitado.

De todo modo, sonho é sonho, para o futuro ou para o passado. Tem coisas para trás e no presente. Se pudéssemos misturar! É, mais ou menos, como diz Jessier Quirino, da Paraíba nossa vizinha,

Vou-me embora pro passado
Pra não viver sufocado
Pra não morrer poluído
Pra não morar enjaulado
Lá não se vê violência
Nem droga nem tanto mau
Não se vê tanto barulho
Nem asfalto nem entulho
No passado é outro astral
Se eu tiver qualquer saudade
Escreverei pro presente
E quando eu estiver cansado
Da jornada, do batente
Terei uma cama Patente
Daquelas do selo azul
Num quarto calmo e seguro
Onde ali descansarei
Lá sou amigo do rei
Lá, tem muito mais futuro
Vou-me embora pro passado

No passado, em espaço pequeno da Avenida Carlindo de Souza Dantas, antiga Avenida Serra Negra, recanto também de vocês, encontrávamos colegas brincando no Rio Seridó, na cheia ou na seca, onde até os poucos desordeiros eram conhecidos e conheciam limites, pela força ou pelo respeito. Tinha Milton do dominó e gente conversando de ponta a ponta da Avenida... Na feira, lá embaixo, na oficina de Manoel de Josino, em Seu Gaspar, na roda de gamão, no barraco de Branca de Joel, ali perto de João Pereira e de Neguinho Sanfoneiro, em Seu Simão Leleco, nos barracos da ponte ou em Bola do Doce. Sem falar no povo que ficava esperando o misto de Jucurutu ou daqueles que corriam de um lado para o outro visitando casas, avivando laços de amizade e família.

Senhores Editores, os imóveis – alguns deles – já não são os mesmos, mas para mim e para tantos as referências continuam... A esquina ainda é de Paisinho; o Externato é de Dona Lourdes; a bodega é de Macedo, vizinho a casa de Mariquinha, perto do prédio da Prefeitura que fica na Rua Felipe Guerra, mesma rua do serrote. Aquele prédio da Ação Católica está no mesmo lugar, com o mesmo portão da resenha, mesmo para muitos com a feição diferente. Minha casa, senhores, é também a mesma da esquina, onde minha avó, Senira Bezerra de Araújo, somente a mim confiava a chave do portão. Parece que a casa tem emoção própria, fruto das alegrias e velórios por ali havidos. Alguns poucos, mas todos de sentida dor. É a história de cada um, alguns mais saudosos, outros nem tanto, contudo, se não lembrarmos do passado, não haverá história e, aqui prá nós, se não chorarmos – de alegria ou de saudade – o coração ficará tão encaliçado que faltará sangue. A insensibilidade não pode chegar perto da indiferença porque aí a razão de viver fica tão fraca que o homem morre e ninguém o avisa.

Mas, para quem ia conversar pouco, já ocupei muito a atenção de vocês. Se outro assunto não arrumar, escreverei outra carta e, o pior, vou lhes cobrar resposta. Até a semana seguinte, com a permissão de Deus!

*Fernando Antonio Bezerra é potiguar do Seridó / com post na pagina Bar de Ferreirinha


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