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segunda-feira, 11 de julho de 2016

A fé que move o sertão

Por Fernando Antonio Bezerra*

Frei Damião em Cerro Corá. Foto de acerco
Sem entrar em temas ou argumentos mais complexos e longe de querer compor um tratado sobre religião, destaco, na ocasião de Julho, o quanto é presente a fé no sertão seridoense. Aliás, marcadamente no início, com a construção das Capelas que precederam aos povoados e a reza, ensinada uma a uma, que balizava limites à honra e a moral.

No início da ocupação portuguesa no Seridó os Padres, sacerdotes católicos e homens letrados da época, não eram tantos e, não raro, demoravam meses entre uma missa e outra. Assim, a transmissão do ensinamento religioso notadamente católico ficou, por muito tempo, sob os cuidados das mães e catequistas que, certamente, sofriam também a influência de outras culturas e crenças. Esta é uma das afirmações do artigo de Lourival Andrade Júnior sobre “Crimes, lugares e devoções: o campo religioso não oficial no Seridó Potiguar”: “O catolicismo no Brasil deve ser visto como um emaranhado de práticas e gestos simbólicos que ultrapassam as leis canônicas. Isto se deve, em grande parte, à formação religiosa católica no país, que durante muitos séculos se deu a partir da falta de religiosos e a tarefa de evangelizar e de seguir as regras dos cultos fossem realizadas por leigos, que por não possuírem uma formação rígida, acabaram agregando aos rituais católicos práticas de suas vivências com outras culturas, como a indígena, a africana e até mesmo práticas pagãs que ainda estavam vivas na Europa do século XVI”.

Mas, mesmo assim, o sertão que gerou a atualidade era mais reverente a fé, inclusive, em meio a serras e caatingas, eram encontrados nas famílias os oratórios privativos, onde a religiosidade era presente, mesmo que em algumas vezes a prática de fé fosse um tanto personalizada de acordo com as tradições, costumes e outras crenças do lugar. Nada, contudo, se passava sem a atenção ao sagrado e ao espiritual. As festas, inclusive, se davam em função do calendário religioso e, mesmo havendo desvios e turbulências, a perspectiva de um julgamento depois da morte inibia, em grande parte, a desordem e o crime.

Por sua vez, com as Religiosas e Religiosos e, ainda, com as Festas tradicionais o Seridó foi aprendendo a receber visitantes, promover eventos, avivar a economia, investir na educação, enfim, em cada recanto uma devoção foi sendo festejada e, sob a liderança de mulheres e homens bem formados intelectualmente e no caráter, muita coisa importante aconteceu na vida das pessoas e das cidades.

Um capítulo especial, ainda pouco evidenciado pelos nossos pesquisadores, deve ser dedicado aos missionários, na maioria das vezes sacerdotes dotados de boa oratória e firme testemunho que chegavam ao sertão para falar sobre os assuntos da fé. Volney Liberato publicou certa vez uma resumida relação dos missionários do sertão, lembrando os mais famosos: “Frei Vitalle de Frascarolo – Frei Vital (1780-1820); Padre Ibiapina (Dr. José Antônio Maria Pereira Ibiapina, ex-deputado das cortes, ex-juiz de direito, ex-advogado dos sertanejos pobres; Padre Cícero Romão Batista. (...) E, mais recentemente, o Frei Damião, que fez escola no Nordeste brasileiro e criou fama pelo Brasil afora, e que pode ser considerado, sem nenhum favor, como o último dos grandes taumaturgos nordestinos, pois com sua morte, encerrou-se o grande ciclo de religiosos verdadeiramente carismáticos do país dos nordestinos. Com o desaparecimento do Frei Damião também desapareceu um pouco da aura mística dos grandes pregadores e propagadores do catolicismo dos nossos sertões, desembestados debaixo do nosso sol escaldante”.

Frei Damião nasceu em Bozzano, município de Massarosa, Província de Lucca, na Itália, aos 5 de novembro de 1898. Na pia batismal era Pio Giannotti. Chegou ao Brasil no ano de 1931 e durante 66 anos foi o andarilho santo das Missões Populares do Nordeste. Em 1997, no dia 31 de maio, partiu para o horizonte que a fé nos faz enxergar. Como autêntico seguidor de São Francisco de Assis, alicerçou sua vida missionária sobre os principais pilares da espiritualidade franciscana: a Cruz, a Eucaristia e a devoção a Maria, Mãe de Jesus Cristo.

Frei Damião, em especial, esteve várias vezes no Seridó. No Caicó de todos nós puxou reza pela madrugada, celebrou missas, confessou o povo. Em sua última visita ficou até muito tarde ouvindo os pecados dos que desejavam conversão e, muito particularmente, dele se aproximar. Nesta longa noite fiz plantão, com orgulho, como porteiro da sacristia da Catedral, controlando o fluxo de pessoas. Tinha noção do momento histórico. Pela idade avançada dificilmente Frei Damião voltaria a Caicó... Vendo lá atrás ou olhando mais perto, mesmo influenciado pelo entorno dos dias de Julho das Festas de ontem e de hoje sob o patrocínio de Sant´Ana a fé, de fato, animou o povo a caminhar, remover montanhas e construir alguns dos principais fundamentos do modo de viver e ser feliz do Seridó que a gente ama.

*Fernando Antonio Bezerra é potiguar do Seridó/ com post na página do Bar de Ferreirinha.
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