Por Fernando
Antonio Bezerra*
Frei Damião em Cerro Corá. Foto de acerco |
Sem entrar
em temas ou argumentos mais complexos e longe de querer compor um tratado sobre
religião, destaco, na ocasião de Julho, o quanto é presente a fé no sertão
seridoense. Aliás, marcadamente no início, com a construção das Capelas que
precederam aos povoados e a reza, ensinada uma a uma, que balizava limites à
honra e a moral.
No início da
ocupação portuguesa no Seridó os Padres, sacerdotes católicos e homens letrados
da época, não eram tantos e, não raro, demoravam meses entre uma missa e outra.
Assim, a transmissão do ensinamento religioso notadamente católico ficou, por
muito tempo, sob os cuidados das mães e catequistas que, certamente, sofriam
também a influência de outras culturas e crenças. Esta é uma das afirmações do
artigo de Lourival Andrade Júnior sobre “Crimes, lugares e devoções: o campo
religioso não oficial no Seridó Potiguar”: “O catolicismo no Brasil deve ser
visto como um emaranhado de práticas e gestos simbólicos que ultrapassam as
leis canônicas. Isto se deve, em grande parte, à formação religiosa católica no
país, que durante muitos séculos se deu a partir da falta de religiosos e a
tarefa de evangelizar e de seguir as regras dos cultos fossem realizadas por
leigos, que por não possuírem uma formação rígida, acabaram agregando aos
rituais católicos práticas de suas vivências com outras culturas, como a
indígena, a africana e até mesmo práticas pagãs que ainda estavam vivas na
Europa do século XVI”.
Mas, mesmo
assim, o sertão que gerou a atualidade era mais reverente a fé, inclusive, em
meio a serras e caatingas, eram encontrados nas famílias os oratórios
privativos, onde a religiosidade era presente, mesmo que em algumas vezes a
prática de fé fosse um tanto personalizada de acordo com as tradições, costumes
e outras crenças do lugar. Nada, contudo, se passava sem a atenção ao sagrado e
ao espiritual. As festas, inclusive, se davam em função do calendário religioso
e, mesmo havendo desvios e turbulências, a perspectiva de um julgamento depois
da morte inibia, em grande parte, a desordem e o crime.
Por sua vez,
com as Religiosas e Religiosos e, ainda, com as Festas tradicionais o Seridó
foi aprendendo a receber visitantes, promover eventos, avivar a economia,
investir na educação, enfim, em cada recanto uma devoção foi sendo festejada e,
sob a liderança de mulheres e homens bem formados intelectualmente e no
caráter, muita coisa importante aconteceu na vida das pessoas e das cidades.
Um capítulo
especial, ainda pouco evidenciado pelos nossos pesquisadores, deve ser dedicado
aos missionários, na maioria das vezes sacerdotes dotados de boa oratória e
firme testemunho que chegavam ao sertão para falar sobre os assuntos da fé.
Volney Liberato publicou certa vez uma resumida relação dos missionários do
sertão, lembrando os mais famosos: “Frei Vitalle de Frascarolo – Frei Vital
(1780-1820); Padre Ibiapina (Dr. José Antônio Maria Pereira Ibiapina,
ex-deputado das cortes, ex-juiz de direito, ex-advogado dos sertanejos pobres;
Padre Cícero Romão Batista. (...) E, mais recentemente, o Frei Damião, que fez
escola no Nordeste brasileiro e criou fama pelo Brasil afora, e que pode ser
considerado, sem nenhum favor, como o último dos grandes taumaturgos
nordestinos, pois com sua morte, encerrou-se o grande ciclo de religiosos
verdadeiramente carismáticos do país dos nordestinos. Com o desaparecimento do
Frei Damião também desapareceu um pouco da aura mística dos grandes pregadores
e propagadores do catolicismo dos nossos sertões, desembestados debaixo do
nosso sol escaldante”.
Frei Damião
nasceu em Bozzano, município de Massarosa, Província de Lucca, na Itália, aos 5
de novembro de 1898. Na pia batismal era Pio Giannotti. Chegou ao Brasil no ano
de 1931 e durante 66 anos foi o andarilho santo das Missões Populares do
Nordeste. Em 1997, no dia 31 de maio, partiu para o horizonte que a fé nos faz
enxergar. Como autêntico seguidor de São Francisco de Assis, alicerçou sua vida
missionária sobre os principais pilares da espiritualidade franciscana: a Cruz,
a Eucaristia e a devoção a Maria, Mãe de Jesus Cristo.
Frei Damião,
em especial, esteve várias vezes no Seridó. No Caicó de todos nós puxou reza
pela madrugada, celebrou missas, confessou o povo. Em sua última visita ficou
até muito tarde ouvindo os pecados dos que desejavam conversão e, muito
particularmente, dele se aproximar. Nesta longa noite fiz plantão, com orgulho,
como porteiro da sacristia da Catedral, controlando o fluxo de pessoas. Tinha
noção do momento histórico. Pela idade avançada dificilmente Frei Damião
voltaria a Caicó... Vendo lá atrás ou olhando mais perto, mesmo influenciado
pelo entorno dos dias de Julho das Festas de ontem e de hoje sob o patrocínio
de Sant´Ana a fé, de fato, animou o povo a caminhar, remover montanhas e
construir alguns dos principais fundamentos do modo de viver e ser feliz do
Seridó que a gente ama.
*Fernando Antonio Bezerra é potiguar do
Seridó/ com post na página do Bar de
Ferreirinha.
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