Manoel
de Neném, um eterno folião
Por
Ciduca Barros*
Meu
pai adorava um carnaval e era um grande folião. Aliás, para quem
vivia o ano todo numa constante alegria, o carnaval servia apenas
para tornar mais intensa a sua folia. Por ocasião dos festejos
momescos, ninguém contasse com ele para nada. Lembro-me de que,
certa época, a sua situação financeira não andava bem das pernas,
quando chegou o carnaval. Na sexta-feira à noite, ele começou seus
preparativos para os dias de troça. A minha mãe, uma real
conhecedora do seu aperto financeiro, vendo os seus preparativos,
perguntou:
–
Você
vai brincar o carnaval, Manoel?
–
Vou
sim, Chiquinha. E por que não?
–
E
as contas que você tem pra pagar? –ela perguntou, com surpresa,
E
ele deu uma resposta que retratou bem a sua índole relaxada e que eu
jamais a esqueci:
–
Até
Quarta-feira de Cinzas é feriado, mulher! Os bancos e os cartórios
estão fechados.
E
perguntou, sorrindo muito:
–
Como
meus títulos serão protestados?
Dado
à pândega, como ele sempre foi, fundou uma escola de samba (Unidos
na Folia) e no carnaval gostava de se disfarçar de mulher. Foi,
durante vários carnavais, a esposa do Zé Pereira (quem não se
lembra do Bloco do Zé Pereira, que desfilava na madrugada do sábado
de carnaval?). Nas suas inúmeras viagens a São Paulo, ele comprou
todos os apetrechos para a sua fantasia: tranças compridas, seios
postiços, sapatos altos (tamanho 41) e outras peças da indumentária
feminina. Ele era um homem alto (1,76 metros), moreno e pesado (tinha
120 quilos), portanto ficava uma volumosa mulata.
Certo
carnaval, a sua escola de samba “assaltou” (quem não se lembra
dos assaltos carnavalescos?) a casa do senhor Manoel Torres de
Araújo, comerciante de renome em Caicó, que foi duas vezes prefeito
municipal e quatro vezes deputado estadual, exemplo de político
íntegro, recentemente falecido e que era muito amigo dele.
No
momento do assalto, o senhor Paulino Torres, o patriarca da família
Torres, na ocasião um homem com quase 80 anos, estava na casa do
filho.
O
meu pai, devidamente travestido de mulher e, naturalmente,
disfarçando a voz, fez uma festa com o velho Paulino Torres e o
encheu de carinhos.
Abraçou-o.
Beijou-lhe a cabeça. Sentou no seu colo.
Quando
o bloco partiu, o velho demonstrando que havia gostado daquelas
carícias femininas, perguntou ao seu filho:
–
Manoel,
quem era aquela morena tão fogosa?
–
Era
Manoel de Neném vestido de mulher, papai.
O
velho Paulino Torres, rapidamente, mudou o semblante de felicidade
para revolta e bradou:
–
Vou
mandar matar aquele negro filho da puta!.
*Escritor,
funcionário aposentado do Banco do Brasil e colaborador do Bar de Ferreirinha (página do post)
Meu pai
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