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domingo, 13 de dezembro de 2015

Crônica: Uma carta sobre o Sertão

Sertão, uma carta sobre ele

Por Franklin Serrão*

Foto acervo/divulgação
Havia mais de mês que eu cafungava um rastro de cutia; por onde ela entrava e saia, eu ia, atrás dela, da tal cutia que de tanto assim, meu tempo gastar, eu por fim, dei fato perdido pois, ont’ontem, foi deveras a última vez que senti seu rastro. Eh, eu já tinha dado por perda a caça mas, né que, de surpresa, vi a bicha de novo e havendo disso pensei poder ter outros assuntos com ela. De tocaia então fiquei até que, por mais de meia noite, na noitinha fria, achei a toca da tal. Lá estava ela, com suas crias... Quando apontei o ponteiro da arma nela, num é que, juro à Deus, ela me olhou tanto assim de jeito humano que, de muita verdades lhes seguro, a danada da bexiguenta falou comigo, me mostrou seus filhos e lhe juro, de efeito certo, por mais sagrado e pelas chagas de nosso senhor Jesus Cristo que por causa disso, eu dei refugo grande, na hora ceguei e por isto, fui m’embora para nunca mais caçar cutia. Ah, as coisas da natureza.

Estava então eu, no sertão e isto, desse estar, foi logo que cheguei nele e tive impressão minha quando vi, ele, lá, suas... para além das terras dos grandes gerais, dos grandes rios, do vegetar só seu, comunidade de flor, meio sertão meio litoral que, às vezes, dar um predominar de vários, muitos e de várias, plantas e animais. Veredas de campos rupestres que aos muitos existem e sendo assim se perdem de vistas pois então, que embora são de tantas formas e de diversas que, ao longo de grandes áreas, terras sem fim e que se vê só mato e campo, nada além. “O maior de todos os brasileiros”, é terra que nem se vê o fim, nem o começo e de boas chuvas, muitas ocorre quase sem parar. Chuvas que molham gramas, pastos, arbustos e árvores esparsas.

Árvores de caules retorcidos e raízes longas, altas que assim, deve ser para poder beber a água de ficar depois das chuvas porque, de barro vermelho tão duro, que tem lugar, ficam por lá muito tempo, fazendo poças e pequenas lagoas que dão de beber a todo o cerradão, o campestre e as várzeas. Nas matas ainda mais fechadas, criam por vezes as veredas, grandes veredas.

No invernar é seco. Faz até muito frio daqueles que poucas roupas, nem pensar; e mesmo, a dobra de roupas não bastam. Nos mês de outubro e abril — sendo seu dezembro e janeiro os mês mais chuvosos — é que ocorre assim do frio grandar. Mas lá também tem seca, que mode o povo chama de verão, estiagem que se resseca muito o chão, mas é somente, acima... Se você cava um pouco, já lá aparece água. Ah, é lugar de ventos fortes, constantes assobiar nas orelhas mas, também calmo é tudo e deveras, o sol por lá arde quente quinem o daqui do litoral e do sertão da caatinga.

E ainda tem serra e montanhas, é lugar de lugares altos tão altos que quase dar alcançar dos céus. E andar por lá é ruim que quase não se vê lugar plano e muitas pedras de cal, com fendas, grutas e cavernas, de todos os tamanhos e gostos se tem também. Quem já viajou por lá já viu o que disse e viu também as matas, os chapadões, esses que falo, com suas árvores, pequenas, retorcidas como se Deus com raivar grande, desse de expediente dessas qualidades. Tem das árvores mais altas, de mais entortar a cabeça, o olhar.

Eh, isto são as terras dos grandes gerais, que de lá passei e voltei. Terra da pintada, onça que pula na cabeça e para comer o homem, dá esmago nele. Mas dessas, graça que nunca cruzei caminho nem mesmo me dei ao cabimento de desejo ter de caçá-la. Desde que voltei, cabimento mesmo, dou só para ela, minha esposa, Roseana — que é braba como onça. Eh, quando dou para me lembrar destes tempos, então costumo viajar, levar o pensar p’ra lá e fazendo esse haver, me gosto do ouvir atencioso dela, Roseana onça e de todos — dou logo conformes, começar no dito dessas aventuras.

*Texto publicado na página do Jornal Zona Sul



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