Sertão, uma carta sobre ele
Por Franklin
Serrão*
Foto acervo/divulgação |
Havia mais
de mês que eu cafungava um rastro de cutia; por onde ela entrava e saia, eu ia,
atrás dela, da tal cutia que de tanto assim, meu tempo gastar, eu por fim, dei
fato perdido pois, ont’ontem, foi deveras a última vez que senti seu rastro.
Eh, eu já tinha dado por perda a caça mas, né que, de surpresa, vi a bicha de
novo e havendo disso pensei poder ter outros assuntos com ela. De tocaia então
fiquei até que, por mais de meia noite, na noitinha fria, achei a toca da tal.
Lá estava ela, com suas crias... Quando apontei o ponteiro da arma nela, num é
que, juro à Deus, ela me olhou tanto assim de jeito humano que, de muita
verdades lhes seguro, a danada da bexiguenta falou comigo, me mostrou seus
filhos e lhe juro, de efeito certo, por mais sagrado e pelas chagas de nosso
senhor Jesus Cristo que por causa disso, eu dei refugo grande, na hora ceguei e
por isto, fui m’embora para nunca mais caçar cutia. Ah, as coisas da natureza.
Estava então
eu, no sertão e isto, desse estar, foi logo que cheguei nele e tive impressão
minha quando vi, ele, lá, suas... para além das terras dos grandes gerais, dos
grandes rios, do vegetar só seu, comunidade de flor, meio sertão meio litoral
que, às vezes, dar um predominar de vários, muitos e de várias, plantas e
animais. Veredas de campos rupestres que aos muitos existem e sendo assim se perdem
de vistas pois então, que embora são de tantas formas e de diversas que, ao
longo de grandes áreas, terras sem fim e que se vê só mato e campo, nada além.
“O maior de todos os brasileiros”, é terra que nem se vê o fim, nem o começo e
de boas chuvas, muitas ocorre quase sem parar. Chuvas que molham gramas,
pastos, arbustos e árvores esparsas.
Árvores de
caules retorcidos e raízes longas, altas que assim, deve ser para poder beber a
água de ficar depois das chuvas porque, de barro vermelho tão duro, que tem
lugar, ficam por lá muito tempo, fazendo poças e pequenas lagoas que dão de
beber a todo o cerradão, o campestre e as várzeas. Nas matas ainda mais
fechadas, criam por vezes as veredas, grandes veredas.
No invernar
é seco. Faz até muito frio daqueles que poucas roupas, nem pensar; e mesmo, a
dobra de roupas não bastam. Nos mês de outubro e abril — sendo seu dezembro e
janeiro os mês mais chuvosos — é que ocorre assim do frio grandar. Mas lá
também tem seca, que mode o povo chama de verão, estiagem que se resseca muito
o chão, mas é somente, acima... Se você cava um pouco, já lá aparece água. Ah,
é lugar de ventos fortes, constantes assobiar nas orelhas mas, também calmo é
tudo e deveras, o sol por lá arde quente quinem o daqui do litoral e do sertão
da caatinga.
E ainda tem
serra e montanhas, é lugar de lugares altos tão altos que quase dar alcançar
dos céus. E andar por lá é ruim que quase não se vê lugar plano e muitas pedras
de cal, com fendas, grutas e cavernas, de todos os tamanhos e gostos se tem
também. Quem já viajou por lá já viu o que disse e viu também as matas, os
chapadões, esses que falo, com suas árvores, pequenas, retorcidas como se Deus
com raivar grande, desse de expediente dessas qualidades. Tem das árvores mais
altas, de mais entortar a cabeça, o olhar.
Eh, isto são
as terras dos grandes gerais, que de lá passei e voltei. Terra da pintada, onça
que pula na cabeça e para comer o homem, dá esmago nele. Mas dessas, graça que
nunca cruzei caminho nem mesmo me dei ao cabimento de desejo ter de caçá-la.
Desde que voltei, cabimento mesmo, dou só para ela, minha esposa, Roseana — que
é braba como onça. Eh, quando dou para me lembrar destes tempos, então costumo
viajar, levar o pensar p’ra lá e fazendo esse haver, me gosto do ouvir
atencioso dela, Roseana onça e de todos — dou logo conformes, começar no dito
dessas aventuras.
*Texto publicado
na página do Jornal Zona Sul
0 comentários:
Postar um comentário