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domingo, 20 de dezembro de 2015

A luz do autêntico Natal

Por Anchieta Fernandes*

Foto reproduzida/divulgação
O biólogo francês Edmond Rostand escreveu certa vez: “À noite é mais belo acreditar na luz.” Em cada Noite de Natal, podemos tentar fazer uma reflexão para acreditar e compreender: o que é a luz de um autêntico Natal. Comemorá-lo não é ganhar ou dar presentes incorporados em coisas materiais. É dar o presente espiritual da luz de uma criança, da luz trazida pelo Menino Jesus desde a humilde estrebaria onde nasceu, naquela noite de 24 de dezembro, em Belém, na Judéia (atualmente, área da Cisjordânia), há mais de dois mil anos. Dezembro é a luz do sol veranico e a luz interior.

Se o genial músico pop John Lennon foi assassinado num mês de dezembro (08/12/1980), o foi não propriamente por um fã cheio da luz que emana das canções dos Beatles, mas sim por alguém cheio dos mais escuros dos pensamentos. Naquele vídeo clássico, em que Lennon canta “Imagine” (da letra: “imagine todas as pessoas/vivendo a vida em paz/sem a necessidade de ganância ou fome/uma irmandade dos homens”), e Yoko Ono começa a abrir portas e paredes de vidro para a luz entrar, tudo só podia terminar na bela cena, o beijo de amor e paz trocado pelo casal revolucionário.

O significado, a luz do autêntico Natal não está em ceias com bebedeiras, degustação da carne sacrificada de animais (principalmente, perus), ou a falsidade da troca de presentes do “amigo secreto” (“amigos” estes que no dia-a-dia vivem trocando farpas ou se agredindo).Outra coisa: também não está na pose caritativa uma vez por ano. Crianças e adultos carentes e excluídos dos banquetes comuns aos palacetes dos ricos todos os dias do ano, precisam de presentes e atenção todos os dias do ano. É necessário que se visite as noites dos famintos, dos doentes, dos drogados, e até mesmo dos que cometeram crimes em instantes de fraqueza.

Não é criticável o hábito das prefeituras das grandes cidades, decorando ruas e praças, no período natalino, com milhares de luzes. Diante de tantas dificuldades de vida de alguns dos seus habitantes, a palavra de Deus e seu ato mandando que “exista a luz” são motivos de um pouquinho de alegria. Deus iluminou com sol, lua e estrelas sua cidade cósmica, separando a luz das trevas e dando mobilidade à vida; assim como a Estrela itinerante guiou os Magos até à gruta onde estava o Menino Jesus recém-nascido, também visitado por pastores de ovelhas.

A luz é comunicação. O imperador francês Napoleão, já estabelecera um telégrafo luminoso. Através de um código, as mensagens eram emitidas como “piscadelas” de luz. A ciência e a tecnologia avançaram, desde Napoleão, até á invenção do raio laser, em 1960, pelo físico americano Theodor Harold Maiman. O raio laser, como fonte de luz, veio a permitir através de reguladores da intensidade da luz, que os seus feixes de luz funcionem como canais de comunicação, levando sinais sonoros e visuais (televisão, por exemplo) à grande distância. Esta inteligência humana será um sopro divino?
Que a luz natalina venha sempre. A sua comunicação pode ser de várias maneiras. Antigamente, eram as lapinhas e os reisados, boi calemba, nau catarineta etc. Câmara Cascudo, no “Dicionário do Folclore Brasileiro” relembra, falando sobre o Natal: “É a maior festa popular do Brasil, determinando um verdadeiro ciclo, com bailados, autos tradicionais, bailes, alimentos típicos, reuniões etc. De meados de dezembro até Sai de Reis, 6 de janeiro, uma série de festas ocorre por todo o Brasil, especialmente pelo interior, onde a tradição é mais viva e sensível. Para aguardar-se a missa do galo, há todos esses divertimentos.”

Em seu artigo “O Natal no folclore brasileiro”, publicado no jornal natalense “A República”, a 25 de dezembro de 1985, Julieta de Andrade, então Diretora do Museu do Folclore de São Paulo, escreveu sobre o que é o Natal: “A nível de cultura, é a festa das luzes. Das luzes que admiramos nas ruas e praças, nas velas e lamparinas de azeite à frente dos presépios domésticos, nas simbólicas bolas coloridas dos pinheirinhos enfeitados. Acima de tudo, é a festa da luz interior que passa a iluminar a mente e o coração dos adultos, tornando a todos mais ternos.” Como se constata, o tema das luzes volta sempre nas referências às festas natalinas.

Por exemplo, o Natal comemorado na cidade gaúcha de Gramado, um dos que mais atraem turistas do Brasil e de outras partes do mundo, é chamado “Natal Luz”, com espetáculos deslumbrantes como o show “Natalis”, onde o locutor de televisão Cid Moreira narra a história da celebração do nascimento de Jesus Cristo (o Dia do Natal foi fixado em 25 de dezembro, no século IV, pelo papa Júlio I), acompanhado de efeitos sonoros e luminosos, inclusive águas dançantes e fogos sincronizados. Tem também a árvore cantante, onde um coral de crianças deixa emocionados os visitantes, a contemplarem também belas coreografias.

Derivado das dramatizações ocorrentes nas lapinhas e pastoris, desde o século XVI, onde se representava com pessoas ao vivo as cenas do presépio (chegada dos pastores, que tinham sido avisados pelo anjo da Boa Nova, que era o nascimento de “um Salvador, que é o Menino”; e também a chegada dos Magos do Oriente), tem havido, ao longo da história da comemoração do Natal, os autos natalinos. São peças de teatro, com temas do devocionário religioso, mas também recheadas de assuntos leigos, que tem importância na produção e divulgação cultural. São escritas por intelectuais conhecidos.

Por exemplo, o teatro português começou com Gil Vicente, poeta e dramaturgo que, influenciado pela écloga salmantina (Juan delEncina e Lucas Fernandez), escreveu alguns autos, inclusive o “Auto dos Reis Magos” (1510). Já o beato José de Anchieta, embora também um estrangeiro de nascimento (nascido em Tenerife, nas Ilhas Canárias, portuguesas), é considerado o fundador da literatura brasileira, tendo escrito poemas e autos em terra brasileira, para atrair os indígenasà conversão ao catolicismo. Dentre estes autos que ele escreveu, alguns tinham como tema o Natal.

No século passado, destacou-se um brasileiro, o monge beneditino Dom Marcos Barbosa, que a partir de 1940 uma série de peças e autos de Natal, que tentavam restaurar, com sua ideologia cristã, o espírito do velho Natal brasileiro de influência lusitana, com suas lapinhas e pastoris. Estes autos foram publicados em livro, em 1959, pela Editora Agir. São autos que não tiveram apenas uma intenção ideológica (exaltar o cristianismo); tiveram também a intenção de renovar a linguagem e a estrutura dos autos religiosos. Sem desviar a essência da simplicidade comunicacional.

Por exemplo, no auto “O Anjo e o Asno”, os efeitos onomatopaicos, quase paraconcretos, de uma forma bem eficaz ligando ao nome do personagem bíblico referendado o som dos sinos: “como ao asno de Balaão, eu sou o anjo dos sinos, ba-la-ão, ba-la-ão.” Dom Marcos conseguiu fazer tanto teatro natalino de reflexão para adultos (v. “A Terceira Mensagem”), como o teatro natalino de forma lúdica, endereçado a crianças (v. “Carneirinho, Carneirão”, utilizando inclusive o elemento tradicional folclórico das cantigas de roda). São autos de poucos recursos técnicos, mas bastantecomunicativos pela simplicidade.

Não é como atualmente, onde cada auto natalino é apresentado em forma de show, implicando no texto as idiossincrasias filosóficas e psicológicas de cada autor, e no visual das encenações a parafernália de objetos e decorações à oferta nas lojas. Salva-se, no entanto, o tempero musical, pois música é fluidez e comunicabilidade imediata, e quando Jubileu Filho e Mirabô Dantas compuseram para o auto natalino “Jesus de Natal”, produzido pela Capitania das Artes em dezembro de 2005, com texto de Moacy Cirne, a trilha musical, deram ao público o presente da beleza sonora.

Isso também foi o acender da luz interior, necessária a cada Noite de Natal. Atentando-se bem para o significado da palavra “noite” além de ser o tempo em que o sol está abaixo do horizonte (escuridão, trevas, ignorância, tristeza), pode-se transferir este significado para uma semântica geral de certas circunstâncias da vida contemporânea (egoísmos, guerras, bulling escolar, desrespeito aos idosos, maltrato aos animais, criancinhas abandonadas, famintas e feridas cercadas de moscas em países da África. A luz do Natal precisa chegar até estas cenas, fazendo vê-las quem pode solucionar.

O verdadeiro cristão não deve se iludir com a falsa roupa vermelha e protetora contra o frio, dos papais-noéis dos shoppings. Em dezembro, nós temos mais calor que frio. O mito Papai Noel, baseado na figura do santo turco Nicolau, bispo de Mira (na Ásia Menor), que gostava de dar presentes inverteu atualmente a destinação de quem dá ou recebe presentes. O Papai Noel dos shoppings não dá presentes mas recebe o presente financeiro, aliás crescendo, pois quanto mais crescer o número de crianças que sentam no seu colo para tirar fotografia, mais cresce o bolo do dinheiro do seu contrato

Levar os filhos a tirar a foto no colo do Papai Noel não é um gesto de luz. Apontar a câmera fotográfica do celular para fotografar a falsa neve que circunda as árvores de natal dos shoppings, também não é um gesto de luz. A luz e as cores de Deus estão no arco-íris e no coração generoso de quem pensa o Natal como um dia-a-dia do ano todo. Faça-se propósitos de se encontrar a felicidade em cada ano que se inicia no deixar, com gestos de bondade, o selo da verdadeira felicidade. Deixando-o na vida de cada pobrezinho, de cada vítima de assaltos ou de balas perdidas, de cada deficiente físico, de cada injustiçado.

Boa comemoração do Natal, seria presépios ao vivo, pessoas posando como as figurinhas singelas de uma linda noite bíblica, homens como José, mulheres como Maria, e algumas criancinhas-bebês como o Menino Jesus. Em pequenas comunidades, este presépio poderia desfilar pelas ruas, com presentes necessários, alimentos, roupas, material escolar, remédios, brinquedinhos simples mas bonitos, e até envelopes com certa quantidade de dinheiro – naquelas casas de pessoas de pé no chão, como nas escolas de Djalma Maranhão. E então a noite seria realmente a Noite Feliz, Noite de Paz, Noite de Luz!

*Com post na página do Jornal Zona Sul



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