A
camioneta do fazendeiro e o homem da bicicleta
Por
João Bosco de Araújo*
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Foto ilustrativa/por assessorn.com |
À primeira vista, o
leitor estará a pensar que se trata de uma disputa entre dois veículos. Mas o
inusitado é que realmente o fato
aconteceu e seria cômico se não fosse trágico, nem poético! Foi em uma estrada
de barro, nos idos dos anos sessenta e o automóvel era uma camioneta Chevrolet,
modelo e ano 1951. O veículo estava sendo dirigido por seu proprietário, Pedro
Salviano de Araújo, figura muito conhecida na região, dos mais autênticos tipos
sertanejos. Embora nunca houvesse passado por um banco escolar, ele sabia, como
poucos, as lições da vida e como enveredá-las. No entanto, essa da bicicleta e
do automóvel não foi fácil para um velho marinheiro de primeira viagem, digamos
assim.
A camioneta ainda estava
muito nova, apesar dos seus mais de dez anos de estrada. Se bem que carro
naquela época durava uma vida inteira, como diziam, por se tratar de fabricação
estrangeira. O veículo ele adquiriu depois de muitas economias e foi buscá-lo
na Paraíba, negócio empreendido por um vizinho seu, o fazendeiro Luiz Gonzaga
da Nóbrega, que por sua vez articulou a
negociação junto ao primo deste e dono da 51, o Juiz de Direito, Dr. João
Medeiros da Nóbrega, da Comarca de Campina Grande. Quem a trouxe foi Manoel
Avelino, mais conhecido como “Manoel Boquinha”, que foi motorista de Dinarte
Mariz. As primeiras lições de como guiar um automóvel foram dadas pelo veterano
Poti, de uma família de mecânicos e motoristas da cidade, que também trabalhou
com os americanos em Natal, no período da Guerra.
E lá vai Pedro Salviano
a dirigir sua camioneta pelas estradas da vida. Não demorou muito e foi
convidado à transportar uma dupla de cavalos de raça para uma festa de boi, na
fazenda de seu amigo José Uchoa, em Belém de Brejo do Cruz, na vizinha Paraíba.
Como não quis ficar na vaquejada, de volta a Caicó encheu a camioneta com
madeira de lenha até o “gigante” e despediu-se dos amigos.
Na viagem, aconteceu o
que o mecânico e motorista ‘Chico Mundiça’ gostava de comentar entre amigos e
companheiros de oficina. Segundo contava, Seu Pedro dirigia tranqüilamente sua
camioneta quando, de repente, viu passar pelo lado esquerdo um homem pedalando
uma bicicleta. Qual não foi sua surpresa, em fração de segundos aquele homem
montado naquele veículo de apenas duas rodas ultrapassava seu carro e
desaparecia na estrada sem deixar rastro, só poeira.
“Que sujeitinho mais
atrevido”, teria reclamado Seu Pedro, aumentado a velocidade do carro e
gesticulando esbravejava: “Eu não posso dar cabimento a um pestinha desses”, ao
mesmo tempo em que mudava de marcha e empurrava o pé no acelerador, narrava ‘Mundiça’.
Foi como um furacão. A
camioneta desceu o aterro da rodovia, indo esbarrar lá embaixo, num barranco,
depois de capotar por várias vezes e ficar de pneus para cima. Baixada a poeira,
e o susto, Seu Pedro teria indagado: “Cadê o home e a tal da bicicleta? Vige
Maria!”, concluía assustado, segundo dizia ‘Chico Mundiça’.
Foi tudo muito rápido.
Como num truque de mágica, aquele homem sumia com a sua bicicleta na velocidade
de uma bala e Pedro Salviano nunca mais o vira. Tampouco, jamais perdoara uma
pessoa pedalando uma bicicleta, atravessando o seu caminho, enquanto ele
dirigia seu automóvel. Nem ‘Chico Mundiça’ jamais esqueceu de contar a história
da camioneta do fazendeiro e o homem da bicicleta.
Esse fato realmente
aconteceu, embora de circunstâncias diferentes, porque o próprio protagonista
afirmava que o homem da bicicleta passara por ele em sentido contrário, ou
seja, vindo ao encontro dele em ziguezague, cuja confusão resultou no
acidente, e não como ‘Chico Mundiça’ gostava de comentar, evidentemente por
causa de sua verve humorística, que por sinal sempre foi muito aguçada. Quem o
conheceu sabe muito bem disso. Os dois são duas figuras de saudosas memórias.
Chico recebeu esse apelido ainda jovem, quando foi motorista do fazendeiro Zé
Antônio, do Umbuzeiro, e Pedro Salviano foi o meu pai, que tudo isso guardo com
muita alegria.
*Texto publicado
originalmente no ano 2000 na Tribuna do Norte e posteriormente reeditado para o
Diário de Natal em setembro de 2008.
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