Por Tomislav R. Femenick*
Há várias formas de se
escrever um livro. Qualquer que seja a forma ela não terá a mínima importância
se não for suportada por um bom conteúdo. Esses dois elementos, forma e conteúdo,
são as bases aparentes de todos os livros. Entretanto há um terceiro
componente, presente em todas as obras literárias que, talvez, seja mais
importante que os dois citados. Trata-se da ideologia. O leitor deve sempre ter
em mente um fato essencial para a compreensão das obras literárias ou
cientificas. Todo livro, ficcional ou não, possui um forte componente
ideológico. Esse resulta da própria maneira de pensar do autor, pois ele
raciocina de acordo com a sua formação acadêmica, história pessoal, maneira de
formular pensamento, raciocínio, lógica etc., todas elas também com forte
presença de matizes ideológicos. Não é à-toa que a maioria dos livros de
história conta a versão dos vencedores e não dos vencidos.
Esses comentários vêm à
tona pela recente releitura que fiz do livro “Tristes Trópicos”, do antropólogo
e filósofo francês (belga de nascimento) Claude Lévi-Strauss, publicado pela
primeira vez na França, em 1955, tornando seu autor um dos intelectuais mais
conhecido em sua área – a antropologia estruturalista – e um dos grandes
pensadores do século XX. Claude Lévi-Strauss estudou direito e filosofia na
Universidade de Sorbone, em Paris, porém somente completou a licenciatura em
Filosofia. Trabalhou quatro anos no Brasi – de 1935 a 1939 – lecionando
sociologia na então recém-fundada Universidade de São Paulo, oportunidade em
que fez várias expedições à região central do Brasil.
Foram justamente essas
expedições (e as pesquisas que durante elas foram realizadas) que deram origem
ao livro. “Tristes Trópicos” é uma narrativa etnográfica romanceada, com
trechos curiosos sobre as sociedades indígenas do Brasil Central. Embora
aparentemente seja apenas um livro de viagem, ele é repleto de passagens onde o
autor faz especulações filosóficas, sobre o status da antropologia, ao mesmo
tempo em que realiza análises comparativas de religiões da América e da Europa,
bem como das concepções de progresso e civilização. Por isso é que esse é um
livro para ser lido de forma crítica e analítica; isso é, para ser estudado sob
a ótica da observação e da análise. Só como exemplo, tomemos seu título. Como
“Tristes Trópicos”, se é aqui que o povo é alegre, ri, canta e dança por
qualquer motivo? Nesse fato não existiria uma forte carga ideológica, um forte
componente eurocêntrico, uma tendência de interpretar o mundo segundo os
valores da Europa ocidental?
Todavia não devemos nos
empolgar nas criticas. Esta é uma das obras mais incisiva e bela que jamais foi
escrita, tratado de antropologia e filosofia, ao mesmo tempo em que é um relato
etnográfico da nossa historia colonial. Tudo isso brotando de uma simples
narrativa de viagem, estilo literário que anteriormente já serviu de base para
obras Camões, Richard Francis Burton, Louis de Bouganville, Jonathan Swift e
outros. O que diferencia essas das outras obras do gênero é que Claude
Lévi-Strauss apresenta nas páginas do livro sua própria autobiografia
intelectual, ao aceitar que daquele contato com os indígenas do Brasil Central
fez surgir nele uma nova sensibilidade etnográfica. Sensibilidade essa capaz de
identificar no passado a origem das posições contrárias, das diferenças
contemporâneas.
O grande perigo é que
Claude Lévi-Strauss é uma espécie de quase unanimidade. O fato de ele ter
passado mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios
americanos, de não ter aceitado diretamente a visão histórica da civilização
ocidental como privilegiada e única e de ter enfatizado que a mente selvagem é
igual à civilizada, o transformou em um igual entre os iguais – aqueles que
dominam o estado das artes (do conhecimento) das ciências – embora suas idéias
tenham provocando reações exacerbadas em alguns setores ligados à tradição
humanista, evolucionista e marxista.
*Tomislav R. Femenick é economista, com extensão em
sociologia, e Contador
- Com post na página de Luiz Gonzaga Cortez
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