Por
João Bosco de Araújo*
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Foto: pesquisa Google/divulgação |
Ver televisão no
princípio dos anos setenta em uma cidade do interior ainda era um privilégio de
poucos. Nem poderíamos imaginar a revolução que àquela pequena imagem já
empregara uma década atrás, após outra de sua inauguração. A conquista brasileira
do tricampeonato de futebol na Copa do Mundo de 1970, no México, por exemplo,
transmitida em cores pela primeira vez para o país, sequer poderíamos
acompanhar em preto e branco. O televisor instalado na sede social da AABB,
onde assistíamos com outras dezenas de pessoas, eu particularmente acompanhando
minha irmã Salete com seu namorado bancário, era pura imagem de chuvisco, sem
uma definição de cor, aliás, aquele aparelho era genuinamente P&B e minha
ignorância estava explicita quanto à existência de transmissão colorida naquela
ocasião. Oficialmente, a inauguração da tevê colorida só aconteceu dois anos
depois.
Nesse período, as
novelas da TV Tupi faziam o maior sucesso nas calçadas de Caicó. As cenas
inéditas de Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro, lotavam as janelas da casa de
dona Aninha de Eustáquio, na esquina das avenidas Rio Branco e Renato Dantas.
Pouquíssimas eram as residências (contavam-se nos dedos) que possuíam a
exclusividade do precioso aparelho, por isso aqueles primeiros telespectadores
se amontoavam do lado de fora das casas, acotovelando-se em busca de uma melhor
posição para assistirem aos seus nem tão prediletos programas de tevê
Confesso não me tornar
um noveleiro assíduo, preferia o humor de Didi e suas trapalhadas aos domingos
e as coreografias das chacretes de todos os sábados na Buzina do Velho
Guerreiro. E assistir aos programas ganhou, em particular para mim e meus
irmãos, progresso considerável, através da televisão de meu padrinho de vela,
José Leônidas da Silva, pois éramos convidados a entrar na sala da sua casa, na
esquina da Rio Branco com Olegário Vale, cujo cinema São Francisco estava do outro
lado da esquina. A coqueluche da vez era ver televisão.
Mas aconteceu o
inesperado: Certa vez meu irmão Flávio, contagiado pelas brincadeiras e piadas
dos Trapalhões, soltou uma gargalhada das mais estridentes, contrastando com o
silencioso ambiente doméstico, contrariando, por sua vez, nossa irmã Salete,
também presente à sessão de tevê, e amiga íntima das moças da casa. De
imediato, ela reprovou o comportamento nada inglês do visitante, nos expulsando
da sala. Para não perdemos o programa, a solução foi procurarmos a janela, só
que não contávamos de encontrá-la fechada.
Não teve outra saída. Do
lado de fora, combinamos cada um olhar pela fresta da madeira por alguns
instantes, enquanto isso o outro ficava apenas a ouvir a narração de quem
estivesse a olhar pelo buraco. E assim podíamos rir sem a censura imposta. Cada
quadro humorístico tinha uma visão retransmitida pelo olheiro para o ouvinte,
revezando-se, simultaneamente, para o outro também ver, dando seqüência à cena,
repetidamente com as gargalhadas. Livres, a alegria nos chegava pelo buraco,
extensão da janela da televisão.
Na Copa do Mundo de
1974, já morando em São Paulo, recebi carta de casa contando a novidade da
chegada de um televisor Colorado, sem ser colorido, reunindo todos na sala de
visita, deixando de lado o velho rádio de mesa transistor de 4 faixas. Na
capital paulista, a televisão ainda me surpreendia; além do colorido, a imagem
de um galego lateral-esquerdo encantava com suas jogadas os campos de futebol de
uma Alemanha dividida. Era o nosso Marinho Chagas, de todos os potiguares.
Fico a imaginar,
quarenta anos depois a nova imagem da televisão digital em alta definição, já
no ar ainda em poucas capitais do país, quem saiba em tempo de assistir à Copa
de 2010 (África do Sul), mas com mais precisão, ai sim, para a Copa do Mundo de
2014, aqui no Brasil, com a esperança de ser transmitida, também, da nossa
capital norte-rio-grandense.
A verdade é que os lares
brasileiros, ultimamente, ocupam mais aparelhos de tevê do que geladeiras,
conforme dizem as pesquisas, se bem que naqueles anos geladeira no interior era
uma peça de móvel como outra na sala de estar da casa, e tv uma imaginação que
poderia ser vista até do buraco de uma janela. A janela que passou a ver o
mundo na televisão de nossas casas, como antevia o mestre McLuhan em sua Aldeia
Global.
*Texto originalmente
publicado em março de 2009, no Diário de Natal, edição DN Seridó.
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