Por Flávio Rezende*
Quase todos nós vivemos
uma existência que pode ser rotulada de normal. Ao longo de nossas vidas vamos
cumprindo ritualmente as passagens comuns de paparicação, estudos, trabalhos,
reprodução, envelhecimento, doenças e morte.
Um ou outro tem em suas
andanças coisas bem radicais como viver perigosamente e confrontar a morte ou
estágios avançados de evolução espiritual. Como disse, esses são poucos.
Nessa vida quase de
gado, como um cantor já revelou tempos atrás, tendemos a existir no caminho do
meio, sem problemas muito complicados e sem alguns êxtases desejados, lembrando
que as referências do presente escrito não levam em conta questões financeiras
e nem correlatas.
Essa navegação humana
por caminhos nem tão espinhosos e nem tão floridos, possibilita um fluxo normal
de seres em passagem expiatória por este mundo material, com cada
individualidade cumprindo sua sina e, imprimindo a sua história, as conquistas
ou débitos que naturalmente temos devido a nosso DNA cósmico.
Ao se aproximar dos
extremos saímos dessa navegação mais tranquila e suave e passamos a
experimentar picos de adrenalina que podem ser do bem ou do mal. Seja para um
lado ou para o outro, o homem quando está diante do extremo, sente certo pavor
e toda sua estrutura físico-química muda, com o interno buscando elementos que
possuímos para fazer frente a novidade, e o emocional em estado de choque
tentando entender a situação.
No caso negativo isso
pode ocorrer na iminência de um acidente de trânsito, diante de um bandido
armado, numa briga mais barra ou sabendo de uma notícia bem negativa. Ficamos
paralisados, trêmulos, pernas bambas, coração dispara, desmaios podem ocorrer,
confusão mental, enfim, o extremo negativo desestrutura o ser e, nesta
situação, não conseguimos sobreviver muito tempo. É preciso se restabelecer.
Continuar muito tempo assim, é morte certa.
Mas situações
desconfortáveis também acontecem diante do extremo positivo. Quem tem
familiaridade com relatos místicos, textos religiosos ou metafísicos, já leram
que alguns seres evoluídos foram indo, seguindo em seus caminhos ascendentes
até que diante de suas divindades, tremeram, não conseguiram olhar, ficaram
cegos diante da luz, tímidos, sem voz, envergonhados e muitos voltaram ao plano
normal sem conseguir dar prosseguimento a essa vivência espiritual profunda.
Que leitura podemos
fazer deste confronto do ser comum - qualquer um de nós, com altos
representantes do mundo espiritual? Que vacilo é esse? Por qual motivo poucos
conseguem abrir os olhos e se fundir na energia divina que o encontro
proporciona?
Não sei a resposta mas
identifico isso em pequenos detalhes em meu cotidiano. Como dirigente de uma
organização não governamental lisa, que vive constantemente pedindo recursos
para continuar suas ações humanitárias, percebo claramente que muitas pessoas
temem a proximidade com as coisas do bem. No meu caso, sou mais ajudado por
pessoas que não conheço, do que por milhares e milhares que conheço e que até
elogiam o trabalho, mas não concretizam o que seus lábios proferem, em forma de
ajuda concreta.
Vejo em minhas reflexões
que as pessoas preferem ajudar aquelas entidades em que elas muitas vezes não
conhecem seus dirigentes mais a fundo, preferindo manter certa distância. Na
ONG que atuo já realizei muitos e muitos eventos e convidei todos os amigos e
familiares. Conto nos dedos das mãos os que foram. Sinto então que as pessoas
temem essa proximidade com o bem, temem se comprometer de alguma forma,
preferindo a distância.
Podia aqui citar muitos
e muitos exemplos de como fico isolado neste ato de tentar apoio para o projeto
que realizo, de como é difícil ver meus milhares de conhecidos, amigos e
parentes, não prestigiando os acontecimentos, não ajudando financeiramente, não
doando nada, apenas para não estar perto, pois sei que são pessoas de bem.
Finalizo então deixando
essa reflexão. Somos seres do meio, que encontram neste setor a tranquilidade
que não apavora. Se para baixo as pernas tremem diante da morte iminente, para
cima, para o bem, também não queremos muita conversa, não é um espaço que nos
deixe tão confortáveis assim, daí muitos terem uma filosofia ativa de elogios e
uma prática morna de ações concretas.
Diante da percepção que
boas amizades e milhares de amigos não movem os moinhos da caridade e da
fraternidade que me propus a realizar e que venho tocando há muitos e muitos
anos, estou caminhando para passar o bastão e continuar ajudando de maneira
mais livre, sem o peso de uma entidade e os compromissos diários de um
dirigente.
Por enquanto continuo
acreditando em dias melhores e sonhando em ganhar na loteria para deixar os
amigos em paz e tocar sozinho o projeto social. Nada mais humano que sonhar,
pois nossa divindade anda distante e envolvida na névoa cotidiana de nossos
egos imperfeitos.
*É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN
(escritorflaviorezende@gmail.com)
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