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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Sim, eu tenho medo!



Salomão Gurgel*

Quando era moleque, nas bandas de Janduís, a gente tinha medo de alma, de bicho papão, de papafigo, da besta-fera e de muitos outros fantasmas. Os adultos nos enchiam desses temores, a fim de conseguirem a nossa obediência. Mas nos encorajavam a ser homem, enfrentar o mal e não temer os inimigos que nos queriam ofender e destruir.  Assim, em meio as superstições e a dureza da vida pela sobrevivência, formava-se a nossa personalidade!  Na vida adulta, conscientes, tínhamos que nos libertar dos nossos medos, frutos dos nossos “fantasmas”. Era tudo mais fácil! Quem, já amadurecido, continuava acreditar em bicho papão e dele ter medo?

 Viver, então, era a construção de um processo de superação dos nossos temores induzidos na infância e na adolescência e da consolidação de um equilíbrio interior, que se baseava na descoberta de um valor imprescindível, tanto do ponto-de-vista individual, como coletivo, como é a Segurança. Eu nasci! Sou um Indivíduo!  Eu tenho consciência do meu Ser em expansão num mundo que se considerava seguro! Daí, a minha sensação de leveza e desapego, de destemor e bravura, de coragem e determinação. Em mim havia um sensação maravilhosa do homem bom e pacífico, que se sentia seguro e que, por não atentar contra a vida dos outros seres humanos , podia caminhar, seguro, pelas veredas da vida.

Hoje, já não ligo o radinho de pilhas, às cinco da manhã, para ouvir as notícias, enquanto faço o suco que adoro. Mas a empregada chega, em seguida, sem dar bom dia,  dizendo que mataram dois no seu bairro. Não me atrevo, muito menos, a ligar a TV. Antes de tomar banho, olho para a Bíblia, penso nos Salmos do xará Salomão, o Rei, mas desisto, pois não sei quem são, hoje, os meus inimigos. Antes de sair pro trabalho, a mulher manifesta uma “virose”. Ligo pra farmácia peço que me mandem uns antitérmicos e antitussígenos por um moto-taxista. O rapaz chega, encara-me, sem me entregar os remédios, e abre o verbo: “Doutor, cuide de sua casa, coloque cerca elétrica e monte câmeras filmadoras, pois essa noite a polícia matou três assaltantes!” Já na clínica, a secretária confirma a instalação de um caríssimo sistema eletrônico de segurança, mostrando que é o medo o que determina o nosso “modo de viver”.

Fomos “convencidos” a não ir mais passar fim-de-semana no sítio, nem andarmos mais juntos. A clínica, que tinha em Janduís, e atendia a mais de 3 mil pessoas da região, fui obrigado a fechar. Sinto-me aliviado, quando chego em casa, às 19 horas, mas tenho que ficar todo trancado como se fosse um prisioneiro. Olho pros jornais, mas não me interessa abri-los. Sintonizo canais de TV internacionais, inclusive em russo, mas não me animo.

Então, eu me pergunto: tenho medo de uma violência contra mim e meus familiares? Ou perdi a esperança ao sentir o desmoronamento de valores  individuais e coletivos,o que faz com que nos tornemos apáticos e emocionalmente embotados, onde “viver não é preciso, apenas navegar é preciso!  

*Médico psiquiatra

- Texto publicado em 1º de junho de 2014 no jornal Tribuna do Norte
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