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Foto
arquivo/Cláudio Abdon
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Nesta
ocasião em vivemos uma das maiores secas da história do sertão potiguar, e
brasileiro, - as últimas chuvas regulares ocorreram há 24 meses, ou seja, já são
dois anos -, se faz oportuno compartilhar deste momento de muito sofrimento, com
mais ênfase para o rebanho de animais, fonte de renda e tradição econômica da
região que gira em torno do gado, o blog reproduz, a exemplo de outras postagens, este
texto, enviado pelo jornalista Luiz Gonzaga Cortez, também com postagem
em sua página. Cortez Pereira faleceu
em Natal em 2004:
Cortez
Pereira e a seca no Nordeste
Por considerar oportuno, publicamos hoje um
depoimento escrito do ex-governador Cortez Pereira, na década de 80, para uma
reportagem que o extinto O POTI, de Natal, publicou sobre a sêca no Rio Grande
do Norte. Não me lembro da data que ele me entregou quatro folhas de papel
almaço contendo as suas opiniões e idéias sobre o semi-árido potiguar, a pouca
inteligência dos governantes do Rio Sem Sorte, desde o período colonial, para
enfrentar os nossos problemas. As quatro folhas, manuscritas com caneta
esferográfica, com tinta azul e sem assinaturas, estão comigo. Recentemente, um
artigo de Albimar Furtado, publicado no NOVO JORNAL, de Natal, fez-me lembrar
um trecho da entrevista do sábio Cortez Pereira, há uns 30 anos: "Digo que
sêca não é a nossa terra, mas a inteligência dos que nos governam desde a era
colonial".
Abaixo, a transcrição do texto de Cortez Pereira,
filho de Olindina Cortez Pereira e Vivaldo Pereira, neto Manoel Pegado Cortez e
Maria Senhorinha Dantas Pegado Cortez - Marica Pegado.
José Cortez Pereira de Araújo*
-Nossa pobreza não decorre das secas, nem da
escassez de terras férteis, muito menos do clima. Ela se origina nas múltiplas
atividades econômicas que formam nossa agricultura, inadequada às condições e
circunstâncias do Nordeste. Nossas atividades agrícolas são contrárias à natureza,
são anti-ecológicas, as chuvas irregulares, a alta temperatura, o excesso de
luz tudo aqui cultiva culturas arbóreas, perenes e nós fazemos, no Nordeste,
exatamente o contrário.
-O Seridó é a maior demonstração do acerto contido
na expressão que tenho repetido várias vezes: nós não temos fatores adversos e
sim atividades adversárias dos fatores.
Não há, em todo o Nordeste, uma região mais árida do
que o Seridó (vértice de aridez 3.3), nem mais quente (até 60°nos afloramentos
da rocha), nem com maior luminosidade (quase 3.000 horas/sol/ano), cujos solos
sejam tão rasos, secos e erodidos e, no entanto, o nível de vida povo é muito
superior ao das populações do fértil e chuvoso Maranhão.
-Tudo começou, como começam sempre a história de
todas as gentes, pelas atividades primárias, pelo que se faz o homem sobre a
terra. Foi a atividade compatível com a natureza que ajudou o homem melhorar a
sua vida.O Seridó começou com os currais, as fazendas de gado, as barragens
submersas, as vazantes nos leitos dos rios, os açudes médios e pequenos.
Guimarães Duque escreveu que era o seridoense quem sabia melhor aproveitar a
pouca e irregular água que caía Nordeste. E foi assim que a pecuária se tornou
suporte econômico e alimentar com carne, leite e queijo o homem do seridó.
-O clima tornou saudável a pecuária do Seridó e a
imaginação do homem criou os meios para se conviver coma seca.
A outra grande atividade econômica da região não
precisou, sequer, de ajuda, porque ela já era a própria natureza, no
xerofilismo do algodão mocó. Cultura arbórea, perene, o nosso algodão casava
com o clima seco para melhorara sua fibra longa. O solo semi-árido era sua
condição ótima para vegetar e produzir. Plantasse o algodão seridó nas terras
férteis dos vales úmidos, que a rejeição o faria amarelar, amofinar, com
saudade da terra seca, da quentura infernal do meio-dia e das noites sem
orvalhos.
-Nos sertões do Nordeste, em nenhum outro lugar,
elevou-se tanto o nível social do povo, quando no Seridó. Um dos sintomas dessa
realidade foi a liderança da Região em relação ao Estado, desde o primeiro
Presidente da Província Tomás de Araújo Pereira. Para se sentir a força dessa
influência, basta lembrar os nomes de Brito Guerra, José Bernardo, Juvenal
Lamartine, Pe. João Maria, Dinarte Mariz e Monsenhor Walfredo Gurgel.
-O nível social alcançado explica a projeção dos
seus homens e ambos os fenômenos são explicados pelo desenvolvimento econômico
da Região. Esse desenvolvimento econômico só foi possível porque as duas
históricas atividades primárias, harmonizavam-se com a natureza, apoiavam-se
nela.
-Agora, outro aspecto interessante do assunto: o
binômio algodão X boi se complementa, se integra e, assim, potencializam-se reciprocamente.
Os campos de algodão, depois da colheita, viram cercados de solta e a praga
remanescente é destruída pelo gado, que muito deixa nos roçados. Tem mais, a cultura do algodão
produziu, também, a torta, ou simplesmente o caroço que era o rico alimento
protéico dos meses secos e dos anos mais secos.
O Seridó era uma harmonia de trabalho produtivo!
Um outro fato econômico que ocorreu no velho Seridó,
eu acho sensacional. Em nenhum outro lugar do Brasil, com a mesma intensidade,
aconteceu coisa parecida. Foi como que um planejamento “espontâneo”, nascido da
intuição, que desenvolveu a atividade
agrícola na complementação industrial, com a industria rudimentar situada na
própria areada produção da matéria prima. Refiro-me aos descaroçadores de
algodão, às tradicionais “bulandeiros” que se situavam nos sítios e nas
fazendas, criando , naquele tempo, a agro-industria-rural, que os mais modernos
planejadores do Terceiro Mundo apontam, hoje, como a grande solução de quase
todos os nossos problemas.
-A agro-indústria-rural integra os dois grandes
setores de produção e transformação econômicas, com a grande vantagem de,
situando-se no campo, permitir o natural êxodo agrícola, evitando o êxodo
rural. Só assim, supera-se o grande, o imenso problema do alto custo social das
cidades “inchadas”. Pois bem, tudo isso já existiu no Seridó do passado. Certa
vez, em encontro de políticos
importantes e até Ministros, eu destaquei esta originalidade genial, quando um
deputado federal do Seridó, sem entender o sentido da coisa, condenou o
fenômeno sob a crítica de que o meu pai teria sido – como foi – um desses
agro-industriais...
- Este pedaço do Brasil chamado Seridó, precisa um
estudo sociológico profundo para se tentar conhecer as raízes da sua vida, do
seu comportamento e reações. Contam que o primeiro, ou um dos primeiros açudes
do Nordeste teria sido feito em Caicó.
Um preto patriarca, responsável pelo grande feito, pedira ao missionário alemão
que pregava missões na “Vila do Príncipe” para abençoar a novidade, o açude.
Quando o frade viu que se tratava de contrariar a vontade de Deus que fizera os
rios para devolver ao mar as águas que sobravam da terra, amaldiçoou o velho
Terencio (que se suicidou) e sua família, até a 3ª geração. Agora, a grande
lição: desde então Caicó não deixou mais de fazer açudes e nenhum outro
município do Nordeste tem mais açudes do que lá.
-O Seridó tem projeção no Brasil, na época da
guerra, pelo grande produção de tugstenio
e outros minérios. Do sub-solo da Região tiram-se muitas matérias primas
com as quais é feito o desenvolvimento dos países avançados: capacitores
eletrônicos, turbinas de aviões a jato, naves espaciais, reatores nucleares,
etc.
-Agora mesmo é o ouro e o ferro que reaparecem na
nossa pauta de produção, mostrando a riqueza diversificada do Seridó.
- Uma vez, pelo menos, eu não fui bem entendido,
quando responsabilizo o governo como o grande “vilão” na história sem lógica da
pobreza do Nordeste. Digo que seca não é a nossa terra, mas a inteligência dos
que nos governam. Isto desde a era colonial, quando os portugueses nos ensinaram
a cultivar o que faziam na Europa e que não podia dar certo aqui, no Nordeste,
que não tem nada parecido com Europa. E o pior,
de lá para cá, os que nos governam não foram sensíveis a fazer uma
reformulação de nossas atividades econômicas e, mais grave ainda, não souberam
siquer conservar o que se fazia acertadamente, aqui. Exemplo: o algodão mocó. O
“bicudo”, apenas deu o tiro de misericórdia. O velho algodão mocó começou a
morrer quando o crédito oficial (o Governo) chegou por aqui, aplicando suas
normas feitas para o algodão anual de S. Paulo e Paraná.
O financiamento teria de ser pago no mesmo ano e o
seridoense, para escapar, plantava entre as fileiras do algodão arbóreo o outro
algodão anual, o “rasga letra”, que daria condição de pagamento anual, mas que
foi hibridando, misturando-se geneticamente, até fazer desaparecer o patrimônio
fantástico do velho algodão mocó.
*José
Cortez Pereira de Araújo foi político, professor e ex-governador do Rio Grande
do Norte (1970-1974)
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