Por Jomar Morais*
Jornalista ▶ jomar.morais@supercabo.com.br
E o meu coração, do fundo do coração, pergunta ao
seu coração: o que você sente na noite do Natal?
Uma emoção desmantelada, como a de um corintiano na
conquista de mais um título no futebol? Um estado de êxtase, como o de um
mangueirense ao ver sua escola brilhando no sambódromo? Uma alegria
incomparável, como aquela que sentimos no nascimento do primeiro filho?
Certamente o Natal jamais produzirá sentimentos
religiosos (esse é o nome) tão fortes e irrefreáveis quanto os que
experimentamos em situações apaixonantes da rotina profana. Torcedores como os
da Gaviões da Fiel são fundamentalistas, mangueirenses são crentes em transe,
qualquer um de nós frente ao rebento que invade o nosso lar é devoto ajoelhado
ante o milagre da vida.
O Natal é, ao mesmo tempo, suave e denso. É brisa
que acalma no calor tórrido do verão e furacão que abala nossos alicerces. O
Natal é assim. Ou já foi assim, quando a visão de um universo encantado nos
mantinha mais próximos ao chão e mais sensíveis, unidos pelo sentimento de
pertença ao mistério insondável da vida e da criação.
Se você não é capaz de mergulhar nesse estado de
ânimo na noite simbólica de 24 de dezembro, desconfio de que se tenha perdido
ou jamais tenha encontrado o espírito natalino. E esta não é uma questão
religiosa.
Não é necessário ser cristão para entender e viver o
Natal. Seu sentido é universal, transcende rótulos e castas que emergem das
classificações. O nascimento e a vida de Jesus são eventos que ameaçam velhas
referências, a partir de uma experiência radical de despojamento, abertura e
inclusão. Em resumo, a imagem da manjedoura é a exaltação da simplicidade e a
trajetória do homem Jesus, uma convocação à liberdade do amor num mundo
aprisionado a preconceitos e temores.
Penso que a única condição para alguém vivenciar o
espírito do Natal é romper o casulo do racionalismo e do individualismo
utilitarista. É tornar-se criança, curiosa e prestativa, rolando na grama com
amiguinhos que acaba de conhecer. É reencantar o universo e resgatar a
equanimidade ante as contradições e paradoxos da vida, o traço mais marcante da
presença do amor, conciliando as diferenças.
O Natal é delicado, mas também rude. Enleva-nos com
a alegria da confraternização e assusta-nos com o chamado à realidade na
rememoração da família, nosso paraíso e nosso inferno. É reencontro, mas também
soledade, na evocação de eventos afetivos que preferimos sufocar a compreender.
É diálogo entre anjos e demônios que a maioria tenta ocultar sob a mesa lauta e
em corpos embriagados.
Não o tema, porém. O Natal é uma bela chance de nos
conhecermos e crescermos a partir de nossa singularidade. Ele pode ser alegre
ou triste, mas nunca será insípido ou irrelevante.
Feliz Natal!
*Texto publicado na
coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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