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sábado, 15 de setembro de 2012

Todo dia, tudo igual: lixo, novela, buracos e eleição

Albimar Furtado*
Jornalista albimar@superig.com.br
 
Não são apenas os hilários e discutíveis programas do horário obrigatório que nos perseguem nos muitos momentos do dia. Disputando com eles, mas firme no primeiro lugar, acompanham nossos passos, onde quer que estejamos, os comentários da novela que é das oito mais só começa às nove . Estão ali, beliscando nossos ouvidos, os nomes de Tufão, Carminha, Nina, Jorginho, Max e os outros menos votados.
 
No shopping, sento no largo banco postado no passeio e, sem outra alternativa, ouço as projeções das duas mulheres sobre os próximos capítulos e o final da novela. Uma, torce por um final feliz entre Tufão e Nina. A outra fica indignada. Nina tem que ficar com Jorginho. Divagam, passam por vários personagens, avaliam o trabalho dos atores e atrizes, criticam com veemência a ação dos vilões e discordam quando a conversa chega a Tufão: para uma das mulheres, o personagem é um “santo homem”; para a outra, “um babaca”. Topou, prefiro ir acompanhar a compra que a mulher faz na loja em frente.
 
Saí pensando ter acabado aquela penitência. Pensamento falso. Na loja, duas clientes riam das passagens do coroa sarado que tem um romance com a mulher bem mais nova que ele e do outro personagem, ainda jovem e intelectualmente limitadíssimo, que namora uma balzaquiana. Ou além disso. Dia seguinte troquei a visita ao shopping pela fila do banco. Assunto? A novela das oito que começa às nove. A animação da conversa rivalizava com a irritação de alguns que reclamavam dos poucos caixas abertos e da demora no atendimento.
 
Final de semana chegando, chega também o apelo da cuca já cansada, por um jantar tranquilo num restaurante. Na animada mesa visinha ocupada por três casais, as mulheres se deliciam comentando as cenas do capítulo do dia anterior e lamentavam a perda do que, naquela hora, estava se desenrolando na tela da televisão. Manhã de sábado, dedicada às providências do lar, vou ao supermercado, com uma certeza: no cenário estamos eu, o carrinho que empurro e jogo nele os produtos que vou tirando das gôndolas e o silêncio. Comentários zero sobre a novela.
 
Tudo certinho, como esperado, e lá vou eu ao caixa, onde sempre deixo uma boa parte de meu salário. Falta pouco para completar a tarefa e comentar ao chegar em casa: hoje, meu ouvido está virgem de avaliações sobre novela. O diabo é que o ouvido ficou preservado, mas os olhos, passeando pelas revistas arrumadas nas aranhas vizinhas ao caixa, registraram as chamadas de capa de pelo menos três delas. Fotos e títulos anunciavam as cenas de Tufão, Carminha, Nina e Jorginho nos próximos capítulos. Vencido, compensei com a programação tranquila do sábado. À noite, o corpo pedindo repouso, adormeci ao som do merengue que abre e permeia a novela. Impossível fugir dela. Da mesma forma que os buracos e o lixo de Natal, a novela das oito que começa às nove está por toda parte.
 
*Texto publicado na coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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