Albimar Furtado*
Jornalista
▶ albimar@superig.com.br
Não são apenas os hilários e discutíveis programas
do horário obrigatório que nos perseguem nos muitos momentos do dia. Disputando
com eles, mas firme no primeiro lugar, acompanham nossos passos, onde quer que
estejamos, os comentários da novela que é das oito mais só começa às nove .
Estão ali, beliscando nossos ouvidos, os nomes de Tufão, Carminha, Nina,
Jorginho, Max e os outros menos votados.
No shopping, sento no largo banco postado no passeio
e, sem outra alternativa, ouço as projeções das duas mulheres sobre os próximos
capítulos e o final da novela. Uma, torce por um final feliz entre Tufão e
Nina. A outra fica indignada. Nina tem que ficar com Jorginho. Divagam, passam
por vários personagens, avaliam o trabalho dos atores e atrizes, criticam com
veemência a ação dos vilões e discordam quando a conversa chega a Tufão: para
uma das mulheres, o personagem é um “santo homem”; para a outra, “um babaca”.
Topou, prefiro ir acompanhar a compra que a mulher faz na loja em frente.
Saí pensando ter acabado aquela penitência.
Pensamento falso. Na loja, duas clientes riam das passagens do coroa sarado que
tem um romance com a mulher bem mais nova que ele e do outro personagem, ainda
jovem e intelectualmente limitadíssimo, que namora uma balzaquiana. Ou além
disso. Dia seguinte troquei a visita ao shopping pela fila do banco. Assunto? A
novela das oito que começa às nove. A animação da conversa rivalizava com a
irritação de alguns que reclamavam dos poucos caixas abertos e da demora no
atendimento.
Final de semana chegando, chega também o apelo da
cuca já cansada, por um jantar tranquilo num restaurante. Na animada mesa
visinha ocupada por três casais, as mulheres se deliciam comentando as cenas do
capítulo do dia anterior e lamentavam a perda do que, naquela hora, estava se
desenrolando na tela da televisão. Manhã de sábado, dedicada às providências do
lar, vou ao supermercado, com uma certeza: no cenário estamos eu, o carrinho
que empurro e jogo nele os produtos que vou tirando das gôndolas e o silêncio.
Comentários zero sobre a novela.
Tudo certinho, como esperado, e lá vou eu ao caixa,
onde sempre deixo uma boa parte de meu salário. Falta pouco para completar a
tarefa e comentar ao chegar em casa: hoje, meu ouvido está virgem de avaliações
sobre novela. O diabo é que o ouvido ficou preservado, mas os olhos, passeando
pelas revistas arrumadas nas aranhas vizinhas ao caixa, registraram as chamadas
de capa de pelo menos três delas. Fotos e títulos anunciavam as cenas de Tufão,
Carminha, Nina e Jorginho nos próximos capítulos. Vencido, compensei com a
programação tranquila do sábado. À noite, o corpo pedindo repouso, adormeci ao
som do merengue que abre e permeia a novela. Impossível fugir dela. Da mesma forma
que os buracos e o lixo de Natal, a novela das oito que começa às nove está por
toda parte.
*Texto publicado na coluna
do jornalista no NOVO JORNAL
0 comentários:
Postar um comentário