Por Francisco
de Assis Perazzo
Engenheiro Agrônomo e Pecuarista
O assunto que passamos a discorrer, sem dúvida , é
pertinente e está a necessitar de uma discussão mais aprofundada para o trato
de tal tema , com a indispensável participação de todos os envolvidos,
representados pelas entidades oficiais de governo e demais segmentos responsáveis pela produção e beneficiamento
de leite. A programação de fornecimento de leite, que aqui se chama Programa
Leite da Paraíba,vale esclarecer aos leitores,abrange os nove Estados do
Nordeste e parte do semi-árido de Minas Gerais , e aqui vai ser tratado como um
todo , sem especificações dirigidas somente á Paraíba , onde, por sinal, apesar
do esforço da coordenação local, esbarra em barreiras normativas que adiante
passamos a referenciar.
Criado há mais de dez anos, afirmamos sem nenhum
receio que tal programação foi a melhor concebida até os dias de hoje , como
efetivo estímulo ao pequeno criador
e no nobre objetivo para reduzir a
carência alimentar de famílias em situação de vulnerabilidade social nas
periferias das cidades. Tinha a feliz tarefa de provocar positivas reparações a
partir do campo, inclusive como importante instrumento para a regulação do
preço do leite a nível de produtor. Trouxe aos nossos produtores rurais, atores
principais para o sucesso de tal programa, principalmente os do semi-árido, uma
nova opção de renda, encurralados pelas estiagens da impossibilidade do
tradicional cultivo do milho e feijão, ao tempo em que os permitia evitar o
triste partir das suas origens.
Em um segundo momento, incentiva a instalação de
pequenas e médias unidades de beneficiamento de leite, criando mais empregos e
oferecendo um produto de qualidade, com sanidade controlada. E, por fim, o
enorme alcance social traduzido na distribuição às populações carentes, com a
doação de leite, a exemplo da Paraíba onde temos 120.000 famílias
criteriosamente cadastradas como beneficiárias.
Percebia-se que foi concebida e efetivada uma
extraordinária cadeia produtiva, com todos os seus efeitos de positividade,
desde o campo até ao consumidor.
Entretanto, infelizmente, percebemos um crescente
declínio deste programa, não somente na Paraíba, mas também em outros Estados
do NE e, talvez, em futuro próximo, o seu total esvaziamento. Ressalto, por
dever de consciência e pronto esclarecimento, que tal infortúnio não tem seus motivos
lastreados em qualquer ingerência estadual, cujas autoridades demonstram em
atos oficiais a vontade e ânimo em torná-lo operacional. As causas, sim, sem
nenhuma dúvida, estão visíveis na instância federal, onde os normativos da
programação foram criados, ao abrigo do PAA – Programa de Aquisição de
Alimentos / Leite, por consequência das incoerências ali encontradas.
Justo se faz a crítica, apontar os erros e,
principalmente, sugerir correções o melhor desempenho. E aqui, sem nenhum
receio da necessidade em torna-la pública, passo a fazê-la:
1º) As normas exigem que a produção limite para cada
produtor de leite cadastrado como fornecedor seja correspondente a rendimento
máximo de R$ 4.000,00 / semestre.
2º) O preço do leite pago pelo Governo ao pequeno
produtor, com justiça reajustado a partir de agosto corrente, é de R$ 0,97 /
litro, ou seja, o limite para cada produtor familiar será de apenas 22,9 litros / dia.
Deduz-se, facilmente, que, quanto mais remunerativo
for o preço do leite, menor será a quantidade possível de entrega ao programa.
Vê-se, claramente, que o produtor está a ser punido por produzir mais.
Eis aqui o maior “gargalo” de desta programação.
Quem trabalha no campo sabe que uma vaca de leite de
média mestiçagem leiteira, em duas ordenhas, alcança ou supera o limite de 22
litros. Pergunto então, de que vale promover assistência técnica no meio rural,
incentivar o homem a elevar a sua renda e consequente melhoria das suas
condições de viver, se, ao mesmo tempo, está se criar obstáculos para alcançar
a comercialização de seu produto.
É uma total incoerência!
Será possível que um produtor familiar que alcance
uma produção entre 150 a 200 litros/dia, resultado da ordenha de 10 a 15 vacas,
seja considerado um “médio” ou “grande produtor”? Ou, por ser nordestino,
somente poderá criar uma ou duas vacas ?
Será que os burocráticos que elaboram tais
normativos não sabem que os custos com insumos, mão de obra, energia elétrica,
plantios, etc..., hoje altíssimos, depois de deduzidos da receita bruta,
estabelecem um padrão mínimo de sobrevivência do nosso produtor?
3º) E tem mais. Quando distribuem a sua produção de
leite nos cadastros de membros da própria família, que moram e/ou trabalham no
mesmo imóvel rural ou vizinhanças, com a finalidade de não perderem o direito
de comercializar para o programa oficial, a esdrúxula cota de 22,9 litros/dia
por produtor, entram na lista de desonestos e, sem nenhum desmerecimento para
os citricultores, denominados de plantadores de “laranjas”.
4º) Quando lemos notícias do Governo Federal em
lançar programas de combate a miséria, e nos deparamos com situações como esta,
surge um sentimento de vazio, de incredulidade e, ao mesmo tempo, de revolta.
Assuntos tão importantes para o nosso homem rural sendo tratados sem a devida
atenção. O clamor do campo é visível, mas as reclamações são tímidas, próprias
de anos e anos de submissão.
5º) A solução, aponto agora, é a discussão aberta,
transparente, entre todos os segmentos componentes do programa, visando
corrigir distorções e vir ao encontro de um normativo que continue a atender
plenamente os princípios legais, mas, que, ao mesmo tempo e,
incondicionalmente, redima os produtores
rurais de obrigações normativas incoerentes, despropositadas, que inviabilizem
a pequena e média atividade leiteira serem beneficiárias de um projeto
identificado como redentor para os que a ele se dedicam.
Sob nossa ótica , e pelos reclamos observados em
todos os recantos da Paraíba, urge, com a máxima brevidade, que tenhamos a
coragem de discutir com transparência tais entraves e provocar as mudanças
necessárias, sugerindo que a Paraíba seja o Estado a liderar tais ações,
assumindo a coordenação para a realização de um encontro regional , com a
lógica e indispensável presença de todos os componentes de tão importante
programação, a fim de evitar que, em um curto prazo, não venhamos a afirmar que
“não adianta chorar o leite derramado”.
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