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sábado, 30 de junho de 2012

Lampião trocou armas e balas por bugingangas

Por ALBIMAR FURTADO*
Jornalista   albimar@superig.com.br

Vestia gibão, usava chapéu e calça de couro. O cabelo era comprido, mas lhe faltava os óculos de lentes arredondadas, um detalhe marcante.  Descendo dos ombros e se cruzando em “x” até alcançar o cós da calça, as alças de couro estavam à mostra pelo gibão aberto. Tempos dos santos de junho, a fantasia pobre do nosso Lampião século XXI se justificava. Pena  que não despertava curiosidade na rua quase deserta, a Junqueira Aires, na manhã de céu fechado da segunda-feira.

Era novo, nas cercanias dos 38 anos de Virgolino Ferreira quando foi trucidado pelos policiais em Angicos, Estado de Sergipe. Nesse começo de manhã invernosa, esse homem vestido de couro estava postado na esquina da Seturn, Ribeira, em frente ao Banco do Brasil. Não tinha sanfoneiro e zabumbeiro tocando xaxado ou xote pra ele dançar. Só e triste, cantarolava um “Sentimental eu sou/ Eu sou demais”, lembrando Altemar Dutra.

Não tinha bandoleiros a aplaudi-lo, como nas festas cangaceiras em chão de terra batida. Perto dele,  no meio da rua em horário de pouco trânsito, apenas um cachorro mirrado, cambaleante e sem saber que rumo tomar, compunha o quadro cinzento: a chuva insistente, a melancolia do “Sentimental eu sou”,  o animal sem rumo. Reparando naquilo tudo, ali perto e também amparado pela marquise, tentando espantar o inverno, vi espalhado pela calçada alguma bugingangas. Era pouca coisa, um molho composto de CDs e DVDs piratas, isqueiros e fogos, tudo um tantinho assim.

O nosso Lampião que trocou a sandália de rabicho pelas havaianas de hoje, era um vendedor ambulante. Não tinha exército, nem enfrentava coronéis e polícia; travava uma queda de braço com a vida. Sequer uma banca, para colocar nela suas bugingangas, ele tinha. Não tinha espingarda, bacamarte ou revólver, nem balas no cinturão; tinha a voz para tentar convencer algum freguês que passasse em sua frente. Mas a chuva, desejada e querida, lhe atrapalhava. Demorei cerca de 20 minutos olhando a cena e não vi um comprador sequer. Fui embora, mas antes lhe desejei um bom dia. Ele agradeceu e retribuiu. Aquele dia foi todo de chuva e no final da tarde lembrei dele. Desejei que o dia seguinte, fosse mais claro e de mais sol, de melhores vendas e ele, mais feliz, trocasse a melancolia da canção de Altemar Dutra por  algum xote, xaxado ou baião. Tenha homenageado Luiz Gonzaga.

*Texto publicado na coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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