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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Toda palavra é uma semente

Por Jomar Morais*
Jornalista

Março de 1967. Eu era um menino jornalista e um jornalista menino. Aos 14 anos de idade, há dois meses na reportagem, exultava ante o desafio das “pretinhas”, apelido carinhoso do teclado da Olivetti. Orgulhava-me de minha credencial de repórter, então uma simples declaração em folha A4 assinada pelo secretário de Redação de “A Ordem”, Tarcísio Monte. Lambia meu nome nas páginas impressas. E foi assim, nesse estado de êxtase, que levei a primeira bronca do chefe.

Na verdade, nem era o chefe, era o chefão, o todo poderoso, nada menos que o bispo, pois o jornal era um semanário de propriedade da Igreja católica que fizera história no jornalismo potiguar e naquela época vivia o seu ocaso. E a bronca… Bem, a rigor, nem foi um carão, mas a lição terna de um homem espiritualizado, o bispo Nivaldo Monte, a uma criança que se iniciava na arte escorregadia de lidar com as palavras.

Tarcísio, que cometera a ousadia de transformar em repórter um garoto que lhe pedira apenas um emprego de mensageiro, conduziu-me à sala de D. Nivaldo, seu tio, e recomendou-me tranquilidade.  O bispo olhou em meus olhos e sapecou a primeira de um longo interrogatório: “Foi você mesmo quem escreveu a matéria ou alguém fez isso pra você?”. Respondi, tímido: “Foi eu, sim senhor”. O estopim da crise era a entrevista com o psiquiatra Quinho Chaves e a psicóloga Vanilda Chaves sobre liberdade sexual, o top dos temas polêmicos naqueles dias ainda influenciados por beatniks e hippies. Era um texto cândido e superficial, mais inocente que qualquer programa da Xuxa, mas, à época, e por ser publicado num jornal da Igreja, suficiente para escandalizar setores de uma Natal pacata e provinciana.

Com jornalismo na veia, ouvi os argumentos do bispo e, em silêncio, discordei da censura. Mas o encontro com D. Nivaldo iria marcar a minha vida. Foi ele o primeiro a ensinar-me sobre a importância da palavra como agente de construção e destruição e sobre o cuidado necessário ao tecermos nossas falas. No final, presenteou-me com o livro “Toda palavra é uma semente”, de sua autoria, um texto singelo sobre a magia do verbo criador que até hoje, sempre que me permito recordá-lo, salva-me dos julgamentos apressados e da cegueira do orgulho no momento de escrever.

Não sou um intelectual, sou povo. Mas, como homem e jornalista, tive sempre na palavra minha ferramenta de trabalho e participação. Ao lançar, amanhã, o meu terceiro livro, “Viver”, escrito, em parte, neste canto de página do NOVO JORNAL, peço a Deus que as sementes de suas páginas possam gerar, senão frutos, pelo menos sombra para quem busca um sentido maior na jornada.


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