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domingo, 6 de fevereiro de 2011

O candeeiro se apagou

Por Paulo Afonso Linhares*

Parte de minha infância vivi-a na companhia de minha avó materna, Rita Linhares, uma pessoa reconhecidamente de atitudes firmes e de uma estonteante sinceridade; embora sempre circunspecta em seu vestido preto de um eterno luto pela morte de uma filha querida e do esposo amado que a abandonara  ainda bem jovem com três filhos, ela jamais perdia o bom humor: era uma exímia imitadora (então, usava-se dizer "arremedar"), sendo raros os tipos mais exóticos não contemplados com suas caricaturas gestuais, que arrancavam risos de suas comadres. Aliás, em matéria de riso era ímpar na rua pequena urbe sertaneja, Caraúbas, pois tinha o condão de iluminar menos pelos mots d'esprit que naturalmente fluíam e encantavam, mas pelo tanto de dentes de ouro - acho que uns oito - que lhe ornavam a boca de lábios finos. Literalmente um riso bem dourado e prazeroso. Figuraço, como se diz atualmente.

Entretanto, o seu temor por certas coisas da modernidade era bem conhecido por seus amigos e vizinhos. E por mim. Tinha pavor de duas coisas caríssimas à modernidade: os automóveis e a energia elétrica, pelos terríveis perigos que ambos ensejavam, segundo o seu pensar sertanejo. Aliás, tanta era sua aversão a carros que, no máximo, andara neles (e por pequenos percursos!) três vezes, o que lhe causou enxaquecas terríveis e projetadas por muitos dias; com a energia elétrica,  tinha ela a visão de ser uma coisa maligna e perigosa, de sorte que, embora fosse proprietária de uma boa casa situada numas das ruas principais da cidade - a "Rua da Estação" (ferroviária) - jamais quis iluminá-la com as lâmpadas incandescentes inventadas por Thomas Edson. Preferia, sim, os candeeiros a querosene, aqueles com pavios de barbante. Para não gastar muito "gás" (era como chamavam o querosene...), o pavio era sempre bem baixinho e aquela luz bruxuleante me dava nos nervos, principalmente quando respondia o terço e naquela primeira jaculatória dita com assustadora ênfase: "- Ó meu JESUS , perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, socorrei as que mais precisam."  Tremia nas bases e desejava ardentemente que minha avó fizesse as pazes  com a poderosa "energia de Paulo Afonso"  e colocasse ao menos uns dois "bicos" de luz na casa para que eu pudesse ler à noite e responder o terço sem os sobressaltos de candeeiros tremeluzentes e suas inevitáveis sombras apavorantes...

Bem, isso é passado. O baú dessas lembranças se abriu com o susto do apagão ocorrido no dia 03 de janeiro último. De repente, das 23 horas da quinta-feira a 1 hora da sexta, já dia 4, oito estados nordestinos ficaram às escuras. Um breu só. Segundo o governo federal, a quem pertence esses sistemas, o apagão ocorreu em razão de uma pane na Subestação Luiz Gonzaga, em Pernambuco.  Um sobressalto, pois fiquei a procurar uma vela que fosse para alumiar a casa e nada encontrei, pois quem está preparado para um apagão geral desses? Nem o governo (federal), o operador do sistema energético nacional. Ainda bem que alguns telefones celulares são também vagalumes e me virei um pouco com um desses, que logo se apagou. No escuro e com meus botões finalmente entendi o porquê das últimas palavras do poeta alemão Johann Wolfgang GOETHE, no estertor final, que tantas polêmicas têm ensejado: “Mehr Licht!”, o que em português se traduz por "Mais luz!". Claro, nada demais, nenhum desejo ou elucubração filosófico-científica nelas enrustidos, apenas o prosaico pedido de que fossem abertas as cortinas,  para melhor iluminar o quarto e a cena de sua despedida deste mundo...

Apenas coincidência: sai da cena Rita e aparece, agora, Dilma Vana Rousseff (igualmente) Linhares, a presidenta do Brasil, ela mesma uma especialista nessas coisas de energia elétrica, que contabiliza o primeiro revés no setor energético, em seu governo, como o apagão desses enorme candeeiro que ilumina o Nordeste brasileiro, com a energia de Paulo Afonso, Xingó e Sobradinho. O (bom) ministro Lobão explicou bem o problema, mas não convenceu, na coletiva dada na manhã do dia 4. Culpou a pane na subestação que leva o nome do "Rei do Baião". Falar em Luiz Gonzaga, outra coincidência que é a letra de um dos seus mais conhecidos baiões, o "Forró no Escuro": "O candeeiro se apagou/ O sanfoneiro cochilou/ A sanfona não parou/ E o forró continuou/ Meu amor não vá simbora/ Não vá simbora/Fique mais um bucadinho/ Um bucadinho/ Se você for seu nego chora/ Seu nego chora/ Vamos dançar mais um tiquinho/ Mais um tiquinho/ Quando eu entro numa farra/ Num quero sair mais não/ Vou inté quebrar a barra/ E pegar o sol com a mão". 

*Extraído do blog de Paulo Tarcísio
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