acesse o RN blog do jornalista João Bosco de Araújo [o Brasil é grande; o Mundo é pequeno]

terça-feira, 1 de maio de 2012

Blecaute, “eternamente flâneur, terá sido o último dandi de Natal”

Blecaute tá vivo
Foto: Ivanizio Ramos/
pesquisa Google

Por Franklin Jorge*
Jornalista franklinjorge@yahoo.com.br

O crescente interesse que desperta a vida de Blecaute entre os jovens atuais merece reflexão e análise ou, simplesmente, alguma espécie de questionamento necessário. Começou com a sua morte trágica, súbita, brutal, quando fazia um biscate, consertando a fiação de uma residência, sem nenhuma precaução ou equipamento. Morreu eletrocutado. Agora, pintam-no como um herói. Um herói literário que assombra o oficialismo de Natal. Já quiseram até degluti-lo, entronizando-o, post-mortem, num Dia da Poesia, mas se engasgaram.

Imolado pela arte, Edgar Borges – seu nome civil – vem se tornando o símbolo de algo que nos incomoda. – É, sobretudo, o símbolo da contracultura militante entre nós. Um ícone, enfim, contracultural, por excelência; alheio a privilégios, nadando contra a corrente, em permanente corpo a corpo com a vida mesquinha, foi sobrevivendo na província hostil e canibalesca, curtindo internações psiquiátricas e sevícias, até o choque final. Um ser inusitado, esse Blecaute, que nasceu e viveu em Natal, vacinado contra o convencionalismo, contra a regra, contra o reducionismo pseudo-burguês que afligiu em seus versos desconexos ou surreais. A bem da verdade, em matéria de produção, só produziu efetivamente uma espécie de mal-estar moral, ao externar a sua confiança na vida e seu desejo de viver.

Não é, como escritor, relevante. Porém possuía múltiplos talentos em estado selvagem, entre os quais a poesia, a pintura, a comunicação e, por fim, nas quais se realizou integralmente, as performances que deram notoriedade ao seu jeito gauche e excêntrico de ser, mal assimilado pelas forças de segurança, ás vezes apenas para gozo da perversidade de alguns policiais, ou, por idiossincrasia, discordarem do seu gosto por “modelitos” compostos segundo um viés estético personalíssimo, algo assim como uma grife by Blecaute.

Eternamente flâneur, terá sido o último dandi de Natal. Presente em toda a parte, sempre estiloso e elegante made in Blecaute; fazedor de surpreendentes modelitos, fazendo-se notar por sua maneira ousada e nada convencional de se vestir, ao combinar com inteligência e ousadia elementos, padronagens, cores, texturas e adereços capazes de chamar a atenção, inclusive da policia que fazia-lhe o buillyng moral, na época, ainda não reconhecido como tal nem criminalizado. A escolha dos adereços, óculos, colares, cintos, chapéus, bonés, pulseiras, anéis, lenços, sapatos. Essa profusão de detalhes deixavam a policia em alerta. Queriam sempre saber como, vivendo de biscates, vestia-se tão bem e ostensivamente exibia a sua personalidade gritante. Nunca a mesma combinação todos os dias, rezava a cartilha do esteta e estilista Blecaute. O mundo era, para Blecaute, uma permanente novidade.

Um verdadeiro horror, recordava–se, conversando em minha sala no Solar Bela Vista. Uma vez chorou contando-me o que de humilhações e sevícias sofrera nas mãos de um delegado que o prendera por destoar da moda e estar tão bem vestido quando aparentava ser um duro contumaz.

Recebia-o toda vez que me procurava e, das nossas conversas e de suas pungentes confissões extraí um capitulo do “Spleen de Natal” [1996, livro reeditado em 2001 pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e inspirador, desde então, de uma rica e crescente “fortuna crítica”, teve apenas o seu primeiro vvolumm publicado ate agora...], que se tornou muito lido entre os novos iconoclastas. Blecaute, se me perguntam, era um negro bem apessoado, magro, elegante, expressando-se bem, viveu uns tempos com Gardenia, que dizia ser nome de mulher e de flor. Apresentou um programa de rádio que dava conta das atividades culturais da cidade, comentava e criticava. Por algum tempo, teve audiência cativa nas noites de sábado.

Quando morreu, ninguém lhe reclamou o corpo, exceto o jornalista Flávio Rezende, e ele ficou na geladeira do necrotério por vários dias, morto insepulto. Foi ele, Flávio Rezende, que levou a peito a tarefa de organizar-lhe funerais cristãos dignos. E o fez, movendo céu e terra em Natal, para homenagear esse rei vagabundo que por algum tempo reinou sobre a cidade, curiosamente, no entanto, sempre em busca de trabalho e ocupação. Sobrevivendo numa cidade que o teria deixado “pirandélico”, transitando entre a sua casa, em Mãe Luiza, e as celas do hospital psiquiátrico. Porém sem perder o estilo jamais.

*Texto publicado em sua coluna no NOVO JORNAL
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário

Copyright © AssessoRN.com | Suporte: Mais Template