DO BICHO DE HOJE
Por Fernando Antonio Bezerra*
Por Fernando Antonio Bezerra*
É quase certo que em qualquer profissão, em todos os segmentos, nas mais
variadas áreas de atuação do homem, existem pessoas boas – a maioria – e outras
que se desviam do caminho certo, não raro, por equívocos imotivados… Mas, de
certo, é que tem gente boa e ruim em todos os lugares.
O Jogo do Bicho, no Seridó, não é diferente. Tem muita gente boa envolvida,
apesar de ser uma contravenção penal desde 1941. É dito que tudo começou por
volta de 1892 quando João Batista Vianna de Drummond, o Barão Drummond, pensou
em uma maneira de atrair visitantes para o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro,
bem como, resolver problemas financeiras para manutenção do empreendimento.
Deu certo! O povo gostou da forma de sorteio e passou a frequentar o Zoológico
em grande número. Depois, o Jogo passou a ter outra dimensão e finalidade.
Tomou conta do País. Criou raízes e se entrelaçou com a cultura popular.
Nas nossas cidades do Seridó, o jogo tem crédito. As bancas são geralmente
conduzidas por homens conhecidos e respeitados. Quem aposta sabe que, ganhando,
receberá. O cheque do jogo do bicho tem, em regra, mais crédito que muitos
outros que circulam no mercado. Algumas bancas, em atenção ao limite de suas
próprias finanças, limitam apostas. Sabem o risco que correm e gerenciam
possibilidades. Não deixa de ser um sinal de prudência. Hoje, se uma banca
quebrar, lamentavelmente, dezenas de pessoas – além dos apostadores – amargarão
prejuízos. Em uma terra de poucas oportunidades de trabalho, ser cambista do jogo
do bicho é uma forma bastante procurada para fazer a feira da família. Aliás,
os mais trabalhadores, bem relacionados, até são disputados pelas bancas,
considerando que são bons vendedores, alcançam metas, fazem negócios.
O jogo do bicho é, de fato, muito presente na vida do povo seridoense. São
inegáveis os seus reflexos econômicos em cada cidade e sua identidade com a
vida local, em inúmeros aspectos, inclusive, na poesia de trovadores e poetas.
Para a maioria, mesmo ainda com a dúvida da legalidade, é difícil não associar
os números (de 01 a 25) aos animas. Muito raro é não conhecermos, pelo menos,
uma pessoa que, sonhando com um animal, não corra para a banca ou cambista para
fazer a aposta. E, mesmo eventualmente não jogando, não ficar curioso para saber
a extração do dia. Sonhar e jogar, para alguns, é quase uma obrigação,
considerando que as probabilidades de sucesso aumentam muito quando a sugestão
vem através de um sonho. E quem sonha garante que a aposta é quase certa
vencedora, mas depende muito da interpretação.
A propósito, ouvi recentemente que uma matriarca estimada de numerosa prole,
muito espirituosa, amanheceu o dia dizendo que tinha sonhado com um gato grande
e ia jogar no bicho. Uma filha ponderou: – mamãe, gato grande é tigre! A mãe concordou
com a filha, mas interpretou diferente: – minha filha, eu sou é burra em não
ter pensando assim. O bicho de hoje, então, será burro! Dito e feito. Jogou
burro e ganhou. Portanto, mais perspicaz que qualquer outra, soube capturar dos
acontecimentos a melhor sugestão.
Outros vivem atentos a detalhes que possam sugestionar um palpite, desde placas
de carro até embalagens de mercadorias. Ademais, ainda tem combinações de
milhar, centena e dezena que somente quem joga com frequência sabe fazer. E
ainda tem as bancas que rodam os sorteios… Por muito tempo acompanhávamos a
extração de Recife, ouvindo pelas Rádios de lá o resultado que mexia no bolso
de cá.
Sem entrar muito no mérito quanto a legalização do jogo, se é devido ou não, o
fato é que o bicho corre três ou mais vezes por dia nas cidades do Seridó que a
gente ama, alimentando sonhos, estimulando pelejas, movimentando o imaginário e
o bolso, uns com mais e outros com menos, mas fazendo circular a tradição que,
pelo visto, já data mais de 100 anos e há muito caiu na graça do povo.
*Com post na coluna do autor, em Substantivo Plural
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