por JOMAR
MORAIS*
Chego à
praça às 6h e me deparo com uma cena do passado: gaiolas penduradas em postes
e, dentro delas, passarinhos silenciosos expostos ao Sol do amanhecer. Em um
canto, um grupo de homens – de adolescentes a senhores maduros -, a maioria com
sobrepeso, entretido em conversas amenas e indiferente às máquinas de ginástica
à sua frente, benfazejas e gratuitas. Meia hora depois, levantam-se, cobrem as
gaiolas com capas e retornam para suas casas, levando consigo as pobres aves de
que se fizeram carcereiros.
Passeio pelo
Alecrim e reencontro um negócio do tempo dos meus avós, que eu julgava varrido
pelos ventos do desenvolvimento e da consciência ética: lojas entupidas de
gaiolas com os mais belos pássaros da fauna regional, prontos para serem
vendidos, e, na rua, galinhas aglomeradas em cubículos, à espera da feira que
só começará no dia seguinte.
Percorro
bairros nobres e a periferia e percebo a multiplicação das pet shops, com suas
rações transgênicas, seus aparelhinhos, suas almofadas, seus remédios e também
suas gaiolas, repletas de cães e gatos recém-nascidos, à espera de quem os
compre.
Aqui e ali
vejo clínicas veterinárias, hotéis e até hospitais de bichos e, ao chegar à
casa de um familiar, experimento o ápice desse périplo sobre a nova relação do
homem com os animais: o cachorrinho da casa toma 20 comprimidos ao dia, sua
comida é receitada por uma nutricionista, semanalmente ele recebe a visita de
um enfermeiro para a aplicação de soro vitaminado e, claro, já esteve internado
várias vezes em hospitais veterinários, onde foram diagnosticados seus males no
fígado e nos rins e prescrita a saraivada medicinal. Por mês, gasta-se com o
cachorrinho bem mais do que um gari ganha para manter uma família de quatro,
cinco... sete pessoas.
À primeira
vista podemos dizer que a nossa reaproximação aos animais e os cuidados que
passamos a lhes dedicar é um sinal de que nos tornamos mais refinados e
amorosos. E é, mas nem tanto assim.
A
proximidade aos bichos, não raro, reflete a solidão do homem e a sua
incapacidade de se relacionar com outros humanos, por avareza e medo de
compartilhar com quem pode não lhe ser servil. E o excesso de zelo e escassez
de naturalidade nessa relação, que hoje sustenta um mercado saturado de
enganos, é uma amostra do mal que podemos fazer aos animais quando os tornamos
reféns de nossas pulsões egoicas e neuroses.
Nosso estilo
de vida nos adoeceu. Estressados, perdemos a qualidade de vida. E é isso o que
temos oferecido aos bichinhos que, delicadamente, aprisionamos: estresse,
drogas e o inferno de nossas sofisticações, fazendo-os sofrer, longe de sua
saudável naturalidade.
Existirá
diferença entre o carcereiro de pássaro e o estressado que estressa cão e gato,
manipulando-os como se fossem bichos de pelúcia? Penso que, em ambos os casos,
o que está em foco é o nosso prazer egoístico. Não há compaixão legítima, que
considera o sentimento do outro.
Soltem os
bichos, por favor.
*Com post na página do autor
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