Por Fernando
Antonio Bezerra*
Um amigo
estimado, que vive do que planta e cria, me disse certa vez: “ainda bem que a
seca foi em ano eleitoral... A gente se envolve com as eleições e a seca passa
mais ligeira. Não aguentaria a travessia de 16.” As eleições municipais, na
maioria das cidades, findaram no dia 2 de outubro e decorridos poucos dias o
noticiário já se ocupa com o agouro de mais seca pela frente. Como o homem, mestre
da tecnologia e da inovação, não conseguiu enfrentar o problema para o qual ele
também contribuiu, novamente os joelhos precisam se dobrar diante da crença de
cada um para que a força espiritual impulsione a recarga de reservatórios e
mananciais.
O assunto,
como todos sabem, não é novidade. Secas históricas e graves já ocorreram.
Deveriam ter modelado melhores soluções. Evidentemente que muito já foi feito,
mas a população aumentou bastante e novos hábitos de vida (e consumo) foram
introduzidos na vida sertaneja... Faltou estruturar a oferta d´agua e nos
educar para a convivência com o semiárido. Não faltaram avisos, infelizmente.
A angústia
do tempo atual, dentre tantas reflexões, nos remete, não raro, a relatos de
1915, outra grave seca que abateu o Nordeste Brasileiro. Quem ali viveu foi o
seridoense Artéfio Bezerra da Cunha (*1888
+1971) que deixou escrita uma obra relevante “Memórias de um Sertanejo”,
verdadeira fonte de pesquisa para entendermos algumas cenas do Sertão de
antigamente. Assim, sem maior demora, transcrevo a primeira impressão do
professor, pecuarista e político Artéfio Bezerra sobre o ano que começava:
“Entrou janeiro de 1915, chuvas finas, espaçadas, sem recursos, quando vieram
os meses de inverno, nada, estiagem declarada, com as cores de uma seca mesmo.
Pânico e o povo assombrado.”
Artéfio,
sabendo que ainda tinha água no açude da Fazenda Carnaúbas, da família de
Ambrosina, sua esposa, para lá levou o gado e o alimentou com “cardeiro, um
punhado de caroço de algodão, rama de juazeiro e jucá. Como não tinha apurado
que cobrisse as suas despesas, tentou abrir uma compra de peles e couros, única
mercadoria abundante no momento, pela mortandade do gado magro que morria
faminto pela falta absoluta de pastagem.” Teve o sustento também aliviado pela
“criação, porque esta, principalmente a cabra, passava gorda com a folha que
caía dos juazeiros, do jucá e demais retraços de folhas de outros vegetais”.
Para quem
podia, na época, o cotidiano foi ditado por Artéfio: juntar a família,
restringir tudo e tratar o gado, com o que era possível, para não deixá-lo
cair. Para os mais pobres, lamentavelmente, abandono do rebanho, corte de
raízes, retiradas e mortes. Dr. Francisco de Assis Medeiros, ex-Prefeito do
Caicó de todos nós, advogado e escritor foi mais enfático em uma de nossas
anotações sobre o assunto: “hoje em dia, são raríssimas as pessoas que sabem o
terror que foi a seca de 1915, fome, doença e morte. Duas fontes documentais
registram a catástrofe: 'O Quinze', romance (1930) que marca a estreia da
escritora Raquel de Queiros, primeira mulher a ser eleita para a Academia
Brasileira de Letras (1977). Outra fonte riquíssima de informações é a
Biblioteca Nacional por seu acervo de fotografias e jornais da época. Meu
intento era publicar algumas fotos da época, referentes ao flagelo dominante,
mas as imagens são tão chocantes, que resolvi poupar meus leitores de tanta
tristeza.”
E, ainda,
Dr. Francisco de Assis traz dados pluviométricos que ajudam a análise histórica
do fenômeno da estiagem: “Note-se, ademais, que nos anos da década de 1910 o
Seridó só teve quatro anos de bons invernos, com períodos de chuvas superiores
a mil milímetros, 1912, 1913, 1914 e 1917. Três anos de seca: 1911, 1915 e
1919, com períodos chuvosos entre 180 e 360 (secas verdes) milímetros. Invernos
fracos em 1918, 1916 e 1910, com respectivamente 756, 422 e 696 milímetros de
precipitação de chuvas”.
Nos anos de
2012 a 2016 a seca chegou sem receber convite e por aqui se estabeleceu. Os
grandes reservatórios ficaram despidos, sem água e sem vida. O sertanejo foi
driblando um ano e depois o outro, pensando que no seguinte tudo seria
resolvido. Ainda não foi, mas, creio que será. Mesmo reconhecendo que o homem
mexeu tanto na natureza, além do razoável, a fé ensina que a misericórdia
divina ouve a voz do sofrimento e pode determinar um inverno restaurador. Assim
seja!
*Fernando Antonio Bezerra é potiguar do
Seridó / com post na página Bar de
Ferreirinha
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