acesse o RN blog do jornalista João Bosco de Araújo [o Brasil é grande; o Mundo é pequeno]

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A festa, os negros e a irmandade

Por Fernando Antonio Bezerra*

Negros do Rosário nos anos 70 - Foto: Geraldo Anízio
A Festa do Rosário, em homenagem a Maria, sob o título de Nossa Senhora do Rosário, é uma das maiores tradições do Caicó de todos nós! Considerada a segunda maior festa religiosa da cidade, os festejos e celebrações ocorrem no mês de outubro. A Festa já ocorreu no mês de dezembro, mas foi antecipada para outubro. Em outras localidades, mesmo no Seridó, a Festa de Nossa Senhora do Rosário continua no mês de dezembro. Mas, certamente, além da devoção mariana, o destaque da Festa são os Negros do Rosário que, desde 1771, se reúnem através da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.

Dom José Adelino Dantas, no livro “Homens e Fatos do Seridó Antigo” conta a história da fundação da “Irmandade do Rosário dos homens de cor de Caicó”, resumindo que “deve ter sido, sem dúvida, um grande dia, aquele 16 de junho de 1771, na povoação de Caicó. Grupos de homens e mulheres de cor, confluindo de toda parte, aguardavam ansiosos a hora de uma reunião que se lhes marcara na Matriz. É que a ideia da fundação de uma Irmandade que congregasse os elementos negros da Freguesia, estava amadurecida, e havia chegado a ocasião de tomar-se conhecimento dos termos de seu primeiro compromisso.”

Aprovada a Constituição, o que seria hoje chamado de Estatuto, o documento foi remetido a Portugal e somente, segundo Dom José Adelino Dantas, no dia 27 de dezembro de 1773, “no consistório da Matriz de Sant´Ana, sob a presidência do Cura José Inácio Xavier Correia, reuniram-se os irmãos para ouvir a leitura da publicação da Confirmação Régia”. Dom Adelino arremata: “Começa, assim, desse remoto ano de 1773, a funcionar normalmente a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Caicó que teima em sobreviver ainda hoje, lutando contra todas as correntes, e que, ao ensejo da festa de sua Padroeira, acorda a velha Cidade do Príncipe com seus pífanos e tambores, ampliando no tempo as inapagáveis tradições de outrora.”

A Festa ganhou fama e prestígio. O jornal “O POVO”, pesquisado por Olavo de Medeiros Filho, noticiou no distante 04 de janeiro de 1891 o encerramento dos festejos da seguinte forma: “Teve lugar no dia 27 do passado a festa do Rosário que, como a do Natal correu na Santa Paz do Senhor. Como manifestação da alegria popular pela comemoração do Salvador do mundo, e adoração à sua Santíssima Mãe, notavam-se de mais os bailes e sambas que os exercícios divinos, parecendo que estávamos voltados ao tempo do paganismo em que os deuses eram festejados com danças. Isto mesmo é uma demonstração do prazer que ia n´alma dos caicoenses. No fim da festa houve eleição do reinado, justiça e assembleia para o Rosário deste ano. Se a festa deste ano for concorrida como a do que nos disse adeus, há 4 dias, só se abrindo novas ruas na cidade”.

A tradição persistiu. Novas ruas realmente foram abertas. A Irmandade e seus membros acompanharam os acontecimentos do Brasil e no Mundo nos últimos 244 anos. Algo que deveria ser mais evidenciado e valorizado. A propósito, recentemente o Professor Geraldo Anízio publicou na internet uma oportuna homenagem aos Negros do Rosário lembrando que o grupo realiza “um espetáculo popular de rua, e a exibir em salas de residências para os quais eram convidados a dançarem a convite do dono da casa”. 


A referência de Geraldo Anízio me fez recordar as apresentações dos Negros do Rosário em frente às casas de Manoel de Josino e de Paisinho Rangel que, anualmente, acompanhava. E sobre as apresentações, Geraldo bem escreve: “o trançado dos pés, o agachamento sacudindo as pernas e lançando varas de um para o outro. Quando uma lança ou vara cai das mãos de um deles, somente o bandeira pode apanhá-lo e devolver ao passista. Para isso, requer muita resistência, musicalidade e empenho ao som dos tambores rudimentares apertados com cintas de cordas num batuque emblemático que só deles parecem ser.” 

Segundo pesquisa de Itamar de Souza “a dança apresentada pelo grupo é composta de partes, entre elas se destacam a saudação aos reis, à Nossa Senhora do Rosário e o combate (simulado) entre negros e brancos”.

Com seus valores, tradições, dificuldades, belezas e limitações, a Festa e os Negros se confundem. Os Negros do Rosário, com anos melhores e outros nem tanto, chegaram aos dias atuais mantendo a tradição da dança e do reinado. A Festa, por sua vez, maior ou menor, se consagrou como o encontro dos próprios caicoenses. Em julho, por ocasião dos festejos de Sant´Ana, recebemos parentes e visitantes. Em outubro, com os Negros do Rosário, com a Banda Recreio Caicoense, nos encontramos com nossos amigos e vizinhos. É a festa de Caicó para os caicoenses. E que assim seja para os séculos sem fim!

*Fernando Antonio Bezerra é potiguar do Seridó / com post no Blog Bar do Ferreirinha.
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário

Copyright © AssessoRN.com | Suporte: Mais Template