Por Tomislav R.
Femenick*
Uma das tarefas mais
árduas do historiador ao relatar um acontecimento histórico é manter-se
imparcial perante os acontecimentos e para isso há que “separar o joio do
trigo”, os fatos das versões e, principalmente, se desviar das ciladas
preparadas por fontes cheias de preconceitos, lacunas propositais e
interpretações ideológicas. No caso das ocorrências mais recentes, eventos das
primeiras décadas do século passado, por exemplo, nem as fontes primárias
(depoimentos de pessoas envolvidas, documentos escritos, fotografias etc.)
escapam dessa armadilha.
É o que se dá quando se
escreve sobre episódios da Coluna Prestes. Muitos dos relatos primários estão
impregnados de versões adversas à realidade, de ataques injustificados ou com
viés de caráter laudatório. O mesmo também acontece com as fontes secundárias,
a historiografia baseada nas fontes primárias. É o caso de uma obra de Jorge
Amado, um dos maiores escritores do país que, ao escrever sobre a Coluna
Prestes, produziu uma versão edulcorada, doce, mansa, suave. “Vida de Luis
Carlos Prestes: el caballero da Esperanza”, foi escrita em Buenos Aires em 1942
e publicada em espanhol, pelo Editorial Claridad, depois reeditada no Brasil
pelas editoras Martins, Record, Circulo do Livro e mais recentemente pela Cia.
das Letras. Segundo Marcelo Bortoloti publicou na revista Época em dezembro
passado, a biografia de Prestes escrita pelo escritor baiano é laudatória, sem
equilíbrio e com grande dose de parcialidade.
Estranhamente o próprio
autor (ou a Editora Record) baniu o livro da relação de “Obras de Jorge Amado”,
inserida na última página do seu romance “Tieta do Agreste”, publicada em 1977.
Talvez tenha sido porque o pensamento político de Jorge tenha mudado quando ele
deixou o Partido Comunista, em 1958, e ele já não mais concordava com o que
tinha escrito sobre Prestes.
Essas palavras – a
propósito da necessidade de “exigência crítica” sobre as fontes primárias e
secundárias dos relatos históricos – estão sendo aqui inseridas com referência
à série de artigos que está sendo publicada pelo historiador Luiz Gonzaga
Cortez (meu confrade do Instituto Histórico e Geográfico do Rio do Norte),
sobre o mesmo evento aqui abordado: a passagem da Coluna Prestes pelo Rio
Grande do Norte, em 1926. Minhas únicas vantagens é que comecei primeiro e falo
sobre o Rio Grande do Norte e ele, até agora, tem falado somente sobre São
Miguel. No resto estamos juntos na tarefa de reavivar a historia de uma época
que poucos conhecem, história presa nas páginas de livros velhos armazenados em
estantes empoeiradas ou em papéis amarelecidos pelo tempo.
Cortez tem baseado seu
trabalho em um depoimento feito por José Guedes do Rêgo, em “cinco páginas
datilografadas sobre o que viu e ouviu”. E, com muita sutileza, desde o
primeiro artigo tem deixado aflorar fatos contraditórios ou que mostram a
parcialidade do depoente. Em primeiro lugar deixou ver que na cidade de São
Miguel uma parcela da população – certamente a maior – tomou posição contraria
aos revoltosos e outra se dispôs a acolher e dar guarida os membros da Coluna.
No primeiro caso estavam os liderados pelo presidente da Intendência Municipal
(prefeito), cel. João Pessoa de Albuquerque, também conhecido por João Leite;
no outro, estavam os simpatizantes dos revolucionários, os que acompanhavam o
comerciante Manoel Vieira de Carvalho que, segundo o historiador Rostand
Medeiros (2010), hospedou os líderes dos revoltosos em sua na casa e “buscou
receber o grupo da melhor forma possível”, com o que garantiu a segurança de
sua família e a integridade de seu patrimônio, enquanto que o cel. João Pessoa
e seus familiares tiveram que se refugiar na zona rural.
A descrição que José
Guedes do Rêgo faz dos fatos – segundo mostra Cortez – é ambígua. Ao mesmo
tempo em que indiretamente louva a atitude de seu empregador (sim, em 1926 Zé
Guedes era empregado de Manoel Vieira de Carvalho), classifica o cel. João
Pessoa, um cidadão com 72 anos de idade, como “fujão” e “chefete” e apresenta
seu filho, José Augusto Pessoa, como um covarde “que nunca se envolveu em
luta”.
Luiz Carlos Prestes
esteve ligeiramente na zona urbana de São Miguel, deixando o comando das
operações a cargo dos tenentes João Alberto, Siqueira Campos e Djalma Dutra. O
líder da Coluna passou a maior parte do tempo em seu Estado Maior, localizado a
pequena distancia da cidade. Porém em determinado momento o comando dos
revoltosos, a convite do próprio Manoel Vieira, se instalou na sua residência
“como se fosse seu escritório e começaram a ouvir todas as pessoas que
conseguiram prender fora da cidade”. Isso está dito no depoimento de José
Guedes do Rêgo, que teria presenciado o episódio.
Comentando a passagem da
Coluna Prestes por nosso Estado, o historiador Geraldo Maia, em artigo de
01.04.2009, sintetizou: “o fato histórico ocorrido aqui na região, mostrando
que longe de atingir os seus objetivos, a Coluna dos Revoltosos, como ficou
aqui conhecida, deixou um rastro de medo e destruição”.
João Pessoa de Albuquerque
foi Presidente da Intendência de São Miguel de 1911 a 1913, deputado estadual
em 1915 a 1926 e, em 1963 quando o antigo distrito Baixio de Nazaré foi
desmembrado de São Miguel e se tornou Município, recebeu o nome de Coronel João
Pessoa, em sua homenagem. Depois da Revolução de Trinta, Manoel Vieira de
Carvalho foi prefeito nomeado de São Miguel de 1930 a 1932. José Guedes do Rêgo
foi eleito vice-prefeito de Pau dos Ferros em 1957.
* Tomislav R. Femenick é membro da diretoria do Instituto Histórico e
Geográfico do RN
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