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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Jornalista escreve sobre a seca

Tire a emoção da sua análise
Por Osair Vasconcelos*
Um dia desses, fui participar de um debate na televisão sobre a seca e um dos debatedores, muito confiante do que dizia, propôs:
- Vamos discutir sem emoção.
Sancta ferula! Santa ignorância - a minha.
Aprendi, então, com o ilustre racionalista, depois de tantos anos como repórter, que a seca é apenas um fenômeno climático e um problema de fundo econômico. Em miúdos: a natureza de cima não se entende com a de baixo e tome falta de chuvas. E a inapetência do governo se alia à apetência das elites em ter uma sequinha de quando em vez, na busca de uns subsidiozinhos extras, e pronto! Está formado o quadro.
Os outros, aqueles que não entendemos de natureza e mal vislumbramos as razões dos mecanismos dos preços altos, da profundidade dos juros e dos benfazejo de um empréstimo de emergência, é que ficamos com a emoção.
Nós, os que ligamos para as repetições de sempre: jovens deixando suas terras e famílias em busca da sobrevivência em lugares distantes; homens secos de fome saqueando armazéns e destruindo sua ética sertaneja ( ou você acha que homens do campo saqueiam com alegria?); mulheres roubadas de qualquer marca de feminilidade; crianças com o destino para sempre marcado pela fome.
Nós, os que por trás dos números e relatórios oficiais vislumbramos apenas gente, morrendo de fome e sede.
Nós, os que lembramos que a seca existe antes de existirem governos, de se elaborarem relatórios, de falarem em planos de combate.
Nós, que quando passamos pelas estradas vimos as terras rarefeitas de gente e os esquálidos que restaram.
Nós, os que publicamos nos jornais a história de seu João e dona Maria e do filho Francisco, apanhados em plena estrada andando quilômetros para buscar um dia de trabalho qualquer, um prato de qualquer comida e umas achas de lenha para acender um fogo - um fogo para quê? para manter a ancestral lembrança de que o fogo doméstico simboliza a sobrevivência do ser humano.
 Nós, os que levamos um quilo de alimento não perecível para a festa da escola de nossos filhos, a quem tentamos dar uma noção ética do que é o sofrimento alheio de pessoas distantes, de pessoas sem rosto, e com os quais a única ligação que estabelecemos é através desse quilo de arroz mais barato que pretendemos que cheguem às mãos e aos estômagos deles.
Nós, jornalistas, que acreditamos fazer mover, com o nosso grito, a imobilidade das autoridades competentes
Nós, cujo engajamento vem da empatia com o próximo, da ligação invisível com o sofrimento dos outros
Nós, os donos da pieguice recorrente de sermos solidários
Nós, os seguidores do pensamento cristão despido de igrejas
Nós, os que pensamos assim, com emoção, somos apenas
Nós, os bestas.
*Texto retirado da página do facebook do jornalista
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