Tire
a emoção da sua análise
Por Osair Vasconcelos*
Um dia desses, fui participar de um debate na
televisão sobre a seca e um dos debatedores, muito confiante do que dizia,
propôs:
- Vamos discutir sem emoção.
Sancta
ferula!
Santa ignorância - a minha.
Aprendi, então, com o ilustre racionalista, depois
de tantos anos como repórter, que a seca é apenas um fenômeno climático e um
problema de fundo econômico. Em miúdos: a natureza de cima não se entende com a
de baixo e tome falta de chuvas. E a inapetência do governo se alia à apetência
das elites em ter uma sequinha de quando em vez, na busca de uns subsidiozinhos
extras, e pronto! Está formado o quadro.
Os outros, aqueles que não entendemos de natureza e
mal vislumbramos as razões dos mecanismos dos preços altos, da profundidade dos
juros e dos benfazejo de um empréstimo de emergência, é que ficamos com a
emoção.
Nós, os que ligamos para as repetições de sempre:
jovens deixando suas terras e famílias em busca da sobrevivência em lugares
distantes; homens secos de fome saqueando armazéns e destruindo sua ética
sertaneja ( ou você acha que homens do campo saqueiam com alegria?); mulheres
roubadas de qualquer marca de feminilidade; crianças com o destino para sempre
marcado pela fome.
Nós, os que por trás dos números e relatórios
oficiais vislumbramos apenas gente, morrendo de fome e sede.
Nós, os que lembramos que a seca existe antes de
existirem governos, de se elaborarem relatórios, de falarem em planos de
combate.
Nós, que quando passamos pelas estradas vimos as
terras rarefeitas de gente e os esquálidos que restaram.
Nós, os que publicamos nos jornais a história de seu
João e dona Maria e do filho Francisco, apanhados em plena estrada andando
quilômetros para buscar um dia de trabalho qualquer, um prato de qualquer
comida e umas achas de lenha para acender um fogo - um fogo para quê? para
manter a ancestral lembrança de que o fogo doméstico simboliza a sobrevivência
do ser humano.
Nós, os que
levamos um quilo de alimento não perecível para a festa da escola de nossos
filhos, a quem tentamos dar uma noção ética do que é o sofrimento alheio de
pessoas distantes, de pessoas sem rosto, e com os quais a única ligação que
estabelecemos é através desse quilo de arroz mais barato que pretendemos que
cheguem às mãos e aos estômagos deles.
Nós, jornalistas, que acreditamos fazer mover, com o
nosso grito, a imobilidade das autoridades competentes
Nós, cujo engajamento vem da empatia com o próximo,
da ligação invisível com o sofrimento dos outros
Nós, os donos da pieguice recorrente de sermos
solidários
Nós, os seguidores do pensamento cristão despido de
igrejas
Nós, os que pensamos assim, com emoção, somos apenas
Nós, os bestas.
*Texto
retirado da página do facebook
do jornalista
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