Por Albimar Furtado*
Jornalista ▶albimar@superig.com.br
Repórter iniciando a carreira, foca e ainda por cima
tímido, um dia fui pautado por Cassiano Arruda para num prédio sisudo da praça
André de Albuquerque trabalhar uma matéria que já não me lembro mais do que tratava.
Mas recordo que mais do que o prédio, os homens que o habitavam eram de pouco
ou quase nenhuma leveza. Sisudos no limite. Todos vestiam farda, todos
autoridades de maior ou menor patente, naquele ano de 1967. Me encaminharam a
um major que, para confirmar a regra, de pronto parecia uma exceção. Também
vestia farda e igualmente não era de riso fácil. Mas tinha um trato ameno,
falava pausado e baixo. Sabia ouvir. Tratou bem o foca e o encaminhou para a
fonte que daria as informações.
O militar ficou sendo minha referência para as
matérias buscadas na área. E não era tarefa fácil conseguir informações em anos
duros, difíceis, naquele mundo do Quartel General. O tempo passou. Um dia, no
mesmo prédio, procurei o mesmo personagem que se despedia da farda, indo para a
reserva. Queria saber de sua história, havia sido um dos nossos heróis na
Segunda Guerra Mundial, lutando em campos da Itália. Amante da disciplina
militar e ao mesmo tempo sensível, emocionou-se. A despedida bateu forte. Tive
com ele, depois, contatos nas redações, ele já convocado para prestar serviços
na UFRN. Corpo atlético, desafiava os repórteres, todos jovens, a com ele fazer
exercícios matinais no campus que estava em construção, alertando para os
benefícios à saúde que a atividade física representava.
O tempo seguiu e passei anos sem reencontra-lo. Um
dia descubro na estante o livro Guerreiros Potiguares, pesquisa densa sobre a
participação brasileira e, em particular, potiguar, na Segunda Guerra Mundial.
Descubro o militar vocacionado também para as letras. Anos mais tarde, meses de
2010, reencontro Cleantho Homem de Siquira, nós dois frequentadores de uma
academia de recuperação física. Eu, por conta de cirurgia feita no joelho. Ele,
já aos 90 anos, por complicações cardíacas. Chegou arrastando os pés. Quando
saí, ele já se gabava porque driblara a vigilância dos familiares e, sozinho e
caminhara de casa até o Café São Luiz, que frequentava. Reclamou os buracos nas
rua.
Por esses tempos participei,a convite dele, de uma
roda de conversa que, com uma confraria, mantinha na mesa de uma padaria na rua
Princesa Isabel. Um grupo que lembrava Natal antigo, a vida cultural da cidade,
o ar provinciano, seus personagens, a beleza das dunas de Tirol e Petrópolis
dominando a urbe. Uma agradável manhã regada a boas histórias. Na academia de
recuperação tínhamos conversas diárias. Me contou que estava escrevendo um novo
livro, as suas memórias. Nos dias seguintes eu cobrava o trabalho. Tranquilo,
como foi a vida toda, respondia: “Estou tocando, mas sem pressa”. Não sei em
que pé, ou em quantos capítulos, deixou. Retornando agora de viagem e relendo
jornais da segunda metade de dezembro, descubro a nota na Roda Viva de Cassiano
Arruda, anunciando a morte de Cleantho, um militar convicto, amante de sua
cidade, e que um dia recebeu um “foca” e o tratou como e fora um velho e
experiente repórter.
*Texto publicado na
coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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