Livres
do medo de perder controle ou afeto, os pais se tornam aptos a escolher a
atitude apropriada a cada circunstância
Jornalista
Nossos filhos não são nossos. Eles são da vida. São
filhos da vida. Pais e mães são apenas veículos por meio dos quais seus corpos
se materializam, lançando-os no fluxo dessa dimensão de formas a fim de que
cumpram o próprio destino. Um pouco mais, na verdade: pais são tutores e
preceptores temporários, encarregados de regar e podar uma planta que logo se
tornará robusta e única no bosque da existência.
Essa visão não reduz e nem menospreza a dura e
indispensável missão dos pais na formação intelectual e espiritual dos filhos,
mas – penso - poderia contribuir para ajustar as relações familiares e evitar
muito sofrimento no dia a dia de pais e filhos. Quando excluímos ou, pelo
menos, relegamos ao segundo plano o pronome possessivo “meu”, tudo fica mais
fácil em nosso relacionamento com o próximo e conosco mesmos. Ter a consciência
de que nada nos pertence e nem está submetido ao nosso controle, alarga o
horizonte das possibilidades e nos salva da rigidez da morte das posturas
inflexíveis.
Talvez a primeira e a mais discreta consequência do
entendimento de que os filhos pertencem à vida seja a expansão de nossa
sensibilidade – e responsabilidade! – diante de todas as crianças e jovens.
Superamos a neurastenia possessiva de quem entra em pânico com a simples falta
de apetite de seu descendente e passa indiferente ante à fome do filho do vizinho
e, sobretudo, a dos excluídos do banquete social. Não “possuir” um filho é um
acesso para adotar todos os filhos do mundo, tornando-nos solidários e
cooperativos. Menos posse na paternidade pode significar mais compaixão na
gestão do mundo.
No cotidiano da família esse choque de realidade,
certamente, faria florescer talentos reprimidos por pais frustrados que tentam
moldar os filhos na forma dos próprios desejos, fomentando assim a gentileza e
a confiança em casa. E, de outro lado, poderia evitar a indisciplina, as
manipulações e o desrespeito que pontuam as relações domésticas baseadas na
posse e no medo.
Posse e medo no exercício da paternidade geram ou
superproteção ou despotismo, atitudes extremadas cujo alto custo abrange muito
além dos limites do lar. Filhos mimados (e manipuladores) ou vítimas de
brutalidades (que se tornaram brutais) quase sempre contribuem para as
estatísticas da delinquência enrustida entre jovens ricos e da classe média.
A aceitação de que nossos filhos são filhos da vida
traz, enfim, para a relação familiar os ingredientes fundamentais do amor e da
liberdade e suas inevitáveis parcerias com a justiça e a responsabilidade.
Livres do medo de “perder” controle ou afeto, os pais se tornam aptos a
escolher a atitude apropriada a cada circunstância, respeitando limites e
fixando obrigações.
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