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domingo, 4 de novembro de 2012

Cagando e cuspindo com Cascudo

Por Flávio Rezende*
 
         Os viciados em leitura sempre têm histórias e estórias interessantes sobre este prazeroso hábito de ler a todo custo e em todo canto.
         Em alguns momentos de nossas vidas estamos mais disponíveis para mais páginas, enquanto em outros tempos, podemos estar acossados por prazos e trabalhos diversos, encurtando agradáveis casamentos com livros e, focando mais na necessidade laboral que a vida nos impõe.
         Minha relação com livros é muito legal e durante muitos anos caminhei lendo, a maior parte deste período, foi quando residi em Mãe Luiza, por dezoito anos. Pegava o livro e ia lendo até o hotel Parque da Costeira, de lá descia para a praia onde recitava uns mantras hindus e repetia umas afirmações positivistas para ver se a vida continuava boa, culminando com entrada pelos fundos do hotel Pirâmide, onde voltava a ler na esteira da academia.
         Também tenho recordações de estar lendo dentro do trem do forró de Recife para uma cidade do interior, no meio da maior bagunça etílica e, fazia isso por não beber e preferir me embriagar com as letras a encarar conversa de bêbado e de mulheres sexualmente afoitas e perigosas em suas pretensões noturnas.
         Como as obrigações em geral vão minando o mágico campo da leitura, nós, os viciados, vamos inventando novas formas de ler, com alianças e parcerias com sinais de trânsito, consultórios médicos e odontológicos, intervalos televisivos e/ou o silêncio da noite.
         Com o objetivo de ampliar este espaço saudável e necessário com o ato de ler, elaborei acordo e assinei sozinho, com o vaso sanitário do meu banheiro. Instalei a seu lado, com todo o respeito, um banquinho, adquirido nas Lojas Americanas com esta finalidade específica e, ali, abri trabalhos colocando naquele altar o livro Actas Diurnas, do mestre Câmara Cascudo, presente que recebi do publicitário Leandro Mendes, num mimo ofertado pelo Novo Jornal, veículo que o colega representa comercialmente.
         Devidamente relaxado e sem querer apressar o tempo diante da ação que no vaso me proponho a realizar, abri o livro e comecei a gozar com as frases, as actas, as crônicas, sempre fantásticas e maravilhosas deste grande literato, historiador, pesquisador, folclorista e tudo o mais que a ele agrega incontestável valor.
         Mergulhar no mundo cascudiano é um presente divino do melhor bom gosto, com textos geniais e curtos, tornando aquele momento aguardado, crendo este escrevinhador ser Câmara Cascudo até uma espécie de laxante da mais qualificada serventia, posto que suas observações da vida comum nos eleva a uma súbita anestesia, tornando fácil a condução dos restos alimentares para o mundo das estações de tratamento e/ou, infelizmente, para nossos rios e oceanos.
         A cada cagada matinal Cascudo torna minha vida mais feliz, a degustação dos seus textos promove uma alegria interior tão grande, como se estivesse diante da beleza de minha esposa ou do genuíno amor que sinto pelos meus filhos e pais, realçando em meu ser, o quanto é profundo a admiração que um bom leitor tem pela magnífica construção de um texto bem elaborado e magistralmente apresentado.
         Dar conselhos não é algo muito aconselhável no mundo de hoje com tantas variações e possibilidades, tornando qualquer coisa, quase a mesma coisa, mas, se neste momento posso sugerir alguma coisa, sugiro que naveguem no site http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/blog/ e me digam se os textos são ou não são dignos de serem entronizados no mais adorado altar das leituras que nos causam prazer.
         Particularmente estou cagando e cuspindo com Cascudo todos os dias e, revelo publicamente, que após a vazão, o escarro, o chuveirinho, a limpeza e a descarga, solenemente faço repousar no banquinho o meu livro querido.
         E é ali, naquele reservado, naquele espaço todo meu, onde faço o que só eu posso que renovo o prazer de rever meu bom amigo, ao qual tive a satisfação de ter sido o último jornalista a entrevistá-lo, quando Cascudo estava adoentado num apto do Hospital São Lucas e, eu, lá estive pela Tv Tropical, sendo ajudado na ocasião por sua filha Anna Maria Cascudo Barreto, uma vez que o mestre já não ouvia e nem falava com desenvoltura.
         Dias depois ele partiu e, certamente, deve estar escrevendo actas universais, agradando a Deus e o Diabo, uma vez que mestre em ver/ouvir/relatar, nunca deixará de atuar, esteja onde estiver.
 
* É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)
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