Por Flávio Rezende*
Os
viciados em leitura sempre têm histórias e estórias interessantes sobre este
prazeroso hábito de ler a todo custo e em todo canto.
Em
alguns momentos de nossas vidas estamos mais disponíveis para mais páginas,
enquanto em outros tempos, podemos estar acossados por prazos e trabalhos
diversos, encurtando agradáveis casamentos com livros e, focando mais na
necessidade laboral que a vida nos impõe.
Minha
relação com livros é muito legal e durante muitos anos caminhei lendo, a maior
parte deste período, foi quando residi em Mãe Luiza, por dezoito anos. Pegava o
livro e ia lendo até o hotel Parque da Costeira, de lá descia para a praia onde
recitava uns mantras hindus e repetia umas afirmações positivistas para ver se
a vida continuava boa, culminando com entrada pelos fundos do hotel Pirâmide,
onde voltava a ler na esteira da academia.
Também tenho recordações de estar lendo dentro do trem do forró de
Recife para uma cidade do interior, no meio da maior bagunça etílica e, fazia
isso por não beber e preferir me embriagar com as letras a encarar conversa de
bêbado e de mulheres sexualmente afoitas e perigosas em suas pretensões
noturnas.
Como
as obrigações em geral vão minando o mágico campo da leitura, nós, os viciados,
vamos inventando novas formas de ler, com alianças e parcerias com sinais de
trânsito, consultórios médicos e odontológicos, intervalos televisivos e/ou o
silêncio da noite.
Com o
objetivo de ampliar este espaço saudável e necessário com o ato de ler,
elaborei acordo e assinei sozinho, com o vaso sanitário do meu banheiro.
Instalei a seu lado, com todo o respeito, um banquinho, adquirido nas Lojas
Americanas com esta finalidade específica e, ali, abri trabalhos colocando
naquele altar o livro Actas Diurnas, do mestre Câmara Cascudo, presente que
recebi do publicitário Leandro Mendes, num mimo ofertado pelo Novo Jornal,
veículo que o colega representa comercialmente.
Devidamente relaxado e sem querer
apressar o tempo diante da ação que no vaso me proponho a realizar, abri o
livro e comecei a gozar com as frases, as actas, as crônicas, sempre
fantásticas e maravilhosas deste grande literato, historiador, pesquisador,
folclorista e tudo o mais que a ele agrega incontestável valor.
Mergulhar no mundo cascudiano é um presente divino do melhor bom gosto,
com textos geniais e curtos, tornando aquele momento aguardado, crendo este
escrevinhador ser Câmara Cascudo até uma espécie de laxante da mais qualificada
serventia, posto que suas observações da vida comum nos eleva a uma súbita
anestesia, tornando fácil a condução dos restos alimentares para o mundo das
estações de tratamento e/ou, infelizmente, para nossos rios e oceanos.
A
cada cagada matinal Cascudo torna minha vida mais feliz, a degustação dos seus
textos promove uma alegria interior tão grande, como se estivesse diante da
beleza de minha esposa ou do genuíno amor que sinto pelos meus filhos e pais,
realçando em meu ser, o quanto é profundo a admiração que um bom leitor tem
pela magnífica construção de um texto bem elaborado e magistralmente
apresentado.
Dar
conselhos não é algo muito aconselhável no mundo de hoje com tantas variações e
possibilidades, tornando qualquer coisa, quase a mesma coisa, mas, se neste
momento posso sugerir alguma coisa, sugiro que naveguem no site
http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/blog/ e me digam se os textos são ou não
são dignos de serem entronizados no mais adorado altar das leituras que nos
causam prazer.
Particularmente estou cagando e cuspindo com Cascudo todos os dias e,
revelo publicamente, que após a vazão, o escarro, o chuveirinho, a limpeza e a
descarga, solenemente faço repousar no banquinho o meu livro querido.
E é
ali, naquele reservado, naquele espaço todo meu, onde faço o que só eu posso
que renovo o prazer de rever meu bom amigo, ao qual tive a satisfação de ter
sido o último jornalista a entrevistá-lo, quando Cascudo estava adoentado num
apto do Hospital São Lucas e, eu, lá estive pela Tv Tropical, sendo ajudado na
ocasião por sua filha Anna Maria Cascudo Barreto, uma vez que o mestre já não
ouvia e nem falava com desenvoltura.
Dias
depois ele partiu e, certamente, deve estar escrevendo actas universais,
agradando a Deus e o Diabo, uma vez que mestre em ver/ouvir/relatar, nunca
deixará de atuar, esteja onde estiver.
* É escritor, jornalista
e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)
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