Por François Silvestre*
Escritor
▶ fs.alencar@uol.com.br
Há cinquenta e quatro anos, vi com olhos de menino
assustado a retirada das sombras. Não as da noite, que essas estavam presentes
no medo do escuro. Quem retirava, além dos deserdados de roçados e esperanças,
eram as sombras dos galhos frondosos das árvores do sertão. Não só o juazeiro
ou a oiticica. Frondam também mororós, catingueiras, mofumbos, jucás e
ingazeiras; quando as águas do Nascente escorregam do céu e se perdem de
tabuleiro abaixo emprenhando córregos e riachos. Literatice? Sim sinhô.
Novamente o ciclo da “eterna e monótona novidade” se
aboleta por essas bandas de cá. Sem as frentes de emergência daquele tempo,
nada ficará de novo nem de lembrança. Nenhum açude, estrada ou ponte. Diziam os
rebeldes de então que a emergência era uma indústria de roubalheira pública.
Não nego. Mas o que se fez de mudança foi limpar o fiofó com canjica. E o pior
é que sem canjica.
Em vez da emergência a esmola descarada. Que não faz
açude e ainda desfibra o que restava de caráter. O sertanejo é colega do
praieiro na venalidade. Essa é a vantagem de não ser candidato; você pode dizer
a verdade sem medo de perder votos.
Eleitor e político é tudo igual. Comprador e
vendedor é siamês. Tanto que nem se leva o verbo para o plural. Singulares e
irmanados no mesmo armazém de negócios. Quem substituiu a emergência dessa seca
foi o mercado das eleições.
Além de queda, coice. Tocaram fogo na grota da
serra. Queimou tudo. Culpados materiais: Broqueiros, caçadores e fumantes do
trânsito. Cúmplices: Prefeitura, vereadores, Ibama, Idema e Ministério Público.
Depois de dez dias de fogo constante, que circulou
toda a aba da serra, da Pedra Rajada ao Mirante Mãe-Guilé, apareceu uma
comissão dos Bombeiros. Faltou na visita turística os representantes do Ibama,
Idema e Ministério Público. Ministro, Senador e Deputados sumiram, estaremos
livres deles até a próxima eleição.
Bombeiros sem mangueira e sem água. E a grota sem água e sem mangueiras.
Filhos do vulcão. Pra não dizer outra filiação. Aqui
houvesse holofotes da mídia com interesses eleitoreiros ou econômicos, chovia
de “defensores da sociedade civil”. Sociedade civil de merda. Enquanto houver
palavras eu futuco o cu do cão.
Vi a seca com olhos de menino. Vejo agora com o
olhar da velhice. Observando esse canil de bípedes, que latem nos ouvidos do
cansaço. A vantagem da velhice é não precisar de salamaleques nem datas vênias.
Sei que não serei ouvido, mas berrarei. Não serei
sentido, mas tocarei. Nem que seja para cuspir nessas bijuterias de
Robespierre, moralistas de miçanga. Há notícias de chuva vindas do Piaui. O
marmeleiro se alvoroça para roupas de Domingo. Se permite Joaquim Cardoso, que
venham nuvens grávidas para uma estação de águas nos meus olhos. Té mais.
*Texto publicado na
coluna Plural
do NOVO JORNAL
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