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terça-feira, 25 de setembro de 2012

O amor e a meia furada

Por Jomar Morais*
Jornalista jomar.morais@supercabo.com.br
 
Ao navegar o Facebook, encontrei um apelo da jornalista Glácia Marillac: “Preciso de meias usadas, furadas, aquelas que só estão ocupando espaço, esquecidas no armário. É para doar a pacientes portadores de hanseníase que usam as meias para proteger os medicamentos, incinerando-as depois. Não importa a condição da meia, só precisa estar limpa e pronta para fazer o bem”. Fui tocado pela mensagem singela e, ali mesmo, compartilhando o apelo em minha página, aderi à campanha modesta e útil.
 
Com uma simples meia furada é possível ajudar alguém, demonstrar afeto pelo outro. Fazer o bem só exige de cada pessoa um pouco de solidariedade e disposição. Ah! se toda gente soubesse…
 
Meias furadas, após um tempo na gaveta, costumam virar lixo. E essa, como se pode notar com o apelo de Glácia, é uma das menores demonstrações de desperdício, entre tantas que damos diariamente. O que sobra em nossa rotina poderia aliviar a necessidade e o sofrimento de milhões de seres humanos, mas, atolados na compulsão consumista, descartamos coisas sem considerar que aquilo que deixou de entreter nossa ansiedade (Sim, é ela que nos torna predadores incontroláveis!) pode ser o recurso básico que falta a pobres e excluídos.
 
Os números dessa manifestação de egoísmo são superlativos, a começar pelo desperdício de alimentos – quase um crime de genocídio, se nos lembrarmos que no planeta quase 1 bilhão de pessoas sobrevivem famintas. Segundo a ONU, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano, resultado de perdas na colheita e na manipulação, do descarte devido a aspectos cosméticos (por exigência dos consumidores) e, claro, do desperdício puro e simples nas residências, restaurantes e lanchonetes. Os americanos, os mais perdulários, chegam a mandar para o lixo 40% de sua comida. Mas nós, brasileiros, também ocupamos um lugar de destaque nesse triste campeonato.
 
O Brasil produz 26% a mais do que necessita para alimentar sua população, mas as perdas na cadeia produtiva e o desperdício doméstico (em média, cada casa manda para o lixo 20% da comida adquirida) geram absurdos como esta estatística de 2006: naquele ano, segundo a Embrapa, 26,3 milhões de toneladas de alimentos viraram lixo, uma quantidade suficiente para saciar, com três refeições diárias, 19 milhões de pessoas, quase a metade dos 39 milhões de brasileiros que conviveram com a fome no período.
 
Escândalo maior, só se for o da avareza de produtores derramando leite nas ruas, queimando plantações ou dizimando pintinhos apenas para elevar o preço dos produtos em tempo de supersafra…
 
A singeleza de fazer o bem com uma meia furada nos remete à visão do que está além da forma: o maior desperdício, na verdade, é o do amor, esse manancial de vida relegado e apodrecido na geladeira do coração.
 
*Texto publicado na coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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